09.02

 

Para aonde vão todos aqueles que perdem o emprego por causa dos avanços tecnólogicos?

Vandeck Santiago (texto)
Alcione Ferreira (foto)

Não sei como a situação está hoje em dia, mas em junho do ano passado teve grande repercussão no noticiário internacional a instalação do holograma de uma funcionária numa estação do metrô de Londres dando informações sobre como usar a escada rolante. Até cantar a “funcionária holograma” cantava. A empresa que administra o transporte público inglês usa hologramas desde 2014. O noticiário do ano passado dizia que a nova experiência iria durar seis meses; depois disso acreditava-se que as pessoas já estariam orientadas para postarem-se lado a lado na escada rolante, em vez de ficarem só na direita, o que acabava provocando congestionamentos na estação. A matéria não dizia, porém suponho que a partir daí a “funcionária holograma” seria desligada. Com todo o respeito à vida dos personagens da inteligência artificial, o que mais me interessava não era o destino dessa gentil funcionária que cantava Elton John – era o do trabalhador humano, que fora substituído naquela função. Onde estava ele, ou ela? Como ficara sua vida depois de ter sido substituído por um holograma? Cadê o seu rosto, quem é sua família, de onde veio, para aonde vai?
Ok, conheço a argumentação padrão. Os avanços tecnológicos eliminam algumas ocupações, mas criam outras. E torna melhor – mais produtiva, mais cômoda – a vida de todos nós. Não é de hoje que isso vem acontecendo – faz séculos que é assim. A economia acaba se ajustando às mudanças e coisa e tal.
O problema, amigos, é o “enquanto isso”.
Lembro de uma argumentação de Herbert de Souza, o Betinho, no início dos anos 1990, quando lutava pela criação do movimento Ação da Cidadania contra Miséria e pela Vida. Havia setores da esquerda que não viam com bons olhos o ato de distribuição de comida para o povo – era “assistencialismo, medida que não causava mudanças na estrutura que fabricava a fome”. Ok, eu também quero mudar essa estrutura, dizia Betinho, mas enquanto isso como fica quem está com fome?…
Estudiosos têm alertado para algumas singularidades do momento atual de transformações no mercado de trabalho. Elas têm ocorrido de forma muito rápida, numa velocidade sem paralelo na história, a não ser quando comparada com a Revolução Industrial. Os empregos criados concentram-se nas grandes cidades. E os trabalhadores que perdem seus empregos estão migrando, em boa parte, para outros já existentes, de nível inferior, em que ganham menos (dada a falta de capacitação para ocuparem as vagas, que exigem um nível técnico que eles não têm).
É nesse quadro que entra a pergunta: enquanto a situação não se ajusta com o avanço tecnológico, como fica a situação de quem perdeu o emprego? Estudo da Universidade de Oxford (Inglaterra), de janeiro do ano passado, afirma que no futuro um em cada dois postos de trabalho deve ser extinto. E que 57% da “força de trabalho humana” podem deixar de existir em virtude da automatização e das transformações tecnológicas. Não se trata de uma questão meramente estatística ou acadêmica – para aonde irão as pessoas que perderão o emprego porque suas funções foram substituídas por um holograma ou um robô ou uma máquina qualquer?
Essa história de que “a economia no final se ajusta às mudanças” é uma falácia para enganar incautos – isso pode até acontecer em relação ao macro, mas no pé da pirâmide, entre os trabalhadores, o final nem sempre é feliz. Na Europa – onde esse debate é mais acentuado, e onde há uma tradicional rede de apoio social – já existem governantes e empresários buscando saídas práticas para o problema. O candidato a presidente pelo Partido Socialista, Benoît Hamon, quer a criação de uma Renda Universal (uma espécie de salário mensal para todos) capaz de atenuar as dificuldades dos que perderam a ocupação que tinham. Na Alemanha há cursos remunerados de capacitação para essas pessoas, com o objetivo de fazer com que elas adquiram formação de alto nível e tornem-se capazes de atuar em áreas técnicas. Já atende 1,5 milhão de trabalhadores. Em todo o mundo o total de empresas que criaram seus próprios centros de treinamento e formação chega a quatro mil. Em escala mais reduzida, temos algo semelhante aqui perto de nós: a fábrica da Jeep, em Goiana, a 62 km do Recife.
A Europa já descobriu que é preciso levar em consideração aqueles que ficarão à margem das transformações tecnológicas, e criar programas ou adotar medidas que lhes permitam reocupar seu papel na sociedade. Deixar esse grande contingente humano à própria sorte é cometer uma injustiça e, também, criar público para líderes extremistas.