16.02

 

Receita para o futuro: adaptação e certeza de que o fim não está próximo para ninguém.

Vandeck Santiago (texto)
Editoria de arte (imagem)

Muitos de vocês nem vão acreditar, mas já houve uma época em que os celulares caíam no chão – não uma, mas duas, dez, incontáveis vezes – e não quebravam. Quem cresceu nos anos 1990 sabe bem do que estou falando; era o período da hegemonia dos aparelhos da Nokia, empresa finlandesa. Tamanha era a resistência que um deles recebeu apelido hoje inimaginável para um celular: “O indestrutível”. Era o modelo 3310, pequenininho e parrudo, que vinha com um jogo difícil de largar depois que a gente começava, Snake II. A Nokia é um case exemplar de fracasso: a empresa dominava tranquilamente o mercado de celulares e, mais ou menos de repente, saiu do mercado. Foi devorada pelos smartphones e as novas práticas de consumo dos aparelhos. Nem o indestrutível 3310 resistiu; saiu de linha e virou só uma lembrança na memória dos que viveram os anos 1990.
Mas, nesses tempos de mudança acelerada que vivemos, o passado não é algo que ficou definitivamente para trás – e eis que o 3310 vai voltar. Segundo informou com exclusividade o jornal britânico The Guardian, será ressuscitado pela empresa HMD (também finlandesa), que daqui a alguns dias apresentará a versão atual do modelo, no Congresso Mundial de Telefonia, evento que acontecerá em Barcelona, no período de 27 de fevereiro e 2 de março. Sua nova fabricante, a HMD, adquiriu da Nokia a patente e os direitos da marca. O pequeno e parrudo 3310 foi lançado em 2000, vendeu cerca de 120 milhões de aparelhos e saiu de linha em 2005.
Mas não é exatamente sobre celulares que pretendo falar aqui. É sobre duas questões mais amplas: primeiro, o risco que representa não estar atento às transformações causadas pelo avanço da tecnologia; segundo, que as mudanças não se impõem sem a resistência da etapa anterior. Vamos agora dar um corte e retroceder para o século 19 em busca de outro exemplo clássico: o barco a vapor. Com o surgimento dessa nova embarcação (consequência da invenção do motor a vapor, no século anterior), os barcos a vela ficaram como o Nokia 3310 diante dos smarthphones: um produto ultrapassado, caminhando para uma morte inevitável. As embarcações já não dependiam mais dos ventos para se locomover.
Registra a história que os fabricantes de barcos a vela não se entregaram facilmente. Buscaram alternativas de sobrevivência, como aumentar o tamanho das velas. O problema, no entanto, não era só de velocidade ou dependência dos ventos. Com o motor a vapor, os barcos com este equipamento tinham capacidade para transportar mais passageiros e cargas e oferecer mais segurança a todos. Uma concorrência desigual, impossível de ser revertida pelos veleiros.
Mas tem uma coisa interessante aí: os barcos a vapor surgiram no início do século 19, mas os barcos a vela só foram completamente superados no final do século. “O motor a vapor foi uma invenção do século 18. Sua aplicação ao transporte aquático acontece no começo do século 19. No final de 1880, a maioria das cargas a granel mundiais era ainda levada por barcos a vela. Logo, uma das mais dramáticas invenções levou quase 100 anos para substituir sua predecessora”, diz o Prêmio Nobel de Economia Douglass North, citado por Eduardo Felipe Matias, em A humanidade e suas fronteiras: Do Estado soberano à sociedade global (Paz e Terra, 2005; livro vencedor do Prêmio Jabuti, na categoria Economia).
Há outros exemplos semelhantes. “A imprensa foi inventada na China, no século 8 e os tipos móveis no século 11, porém essa tecnologia só chegou à Europa no século 15. O papel foi introduzido na China no século 2, chegou ao Japão no século 7 e se difundiu, na direção oeste, para a Ásia Central, no século 8, para o norte da África no século 10, para a Espanha no séc. 11 e para a Europa setentrional no séc. 13. Outra invenção chinesa, a pólvora, que ocorreu no século 9, disseminou-se para os árabes algumas centenas de anos depois, e atingiu a Europa no século 14”, afirma North.
Claro que a velocidade das mudanças nesses séculos não se compara àquela que vitimou a versão original do Nokia 3310, mas estes exemplos entram aqui não como comparação literal, e sim como modelos de referência. Sempre se vê aí a resistência da etapa anterior – ou seja, do passado recente – e a necessidade de adaptação aos novos tempos. São histórias que têm ensinamentos tanto para nós, enquanto integrantes do mercado de trabalho, quanto para as empresas, como os jornais. Adaptação e convicção de que o fim não está próximo para ninguém.