Enquanto Lázaro estiver caído em nossa porta, doente e com fome, não pode haver justiça e paz social.
Vandeck Santiago (texto)
Jaqueline Maia (foto)
Nesses tempos em que todas as categorias de animais racionais e irracionais contam com apaixonados defensores, merece destaque uma exceção: os pobres, excluídos entre os excluídos, e com poucas vozes sendo erguidas em seu favor. A esquerda fragmentou sua atenção para uma infinidade de bandeiras, deixando-os em uma posição de coadjuvantes dos coadjuvantes; e a direita – bem, a direita nunca se preocupou com eles (estou falando de uma realidade latino-americana; em relação à questão europeia, o cenário tem sofrido alterações e a extrema-direita incorporou bandeiras simpáticas a esta faixa da população, como a proteção social).
Neste quadro, um nome se ergue – o do papa Francisco. Não podemos nos esquecer dos pobres, diz ele, em carta apostólica de novembro do ano passado. “Não poderá haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa”, escreveu ele, numa alusão à famosa parábola de um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e do mendigo que jazia coberto de chagas à porta de sua casa, Lázaro. O papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Pobres, que será celebrado pela primeira vez agora em 2017, no dia 19 de novembro.
Toda essa história me veio à mente por causa de um estudo do Banco Mundial, que foi produzido em fevereiro, mas só divulgado pela imprensa no fim de semana passado. Neste relatório o Banco defende elevação de investimentos no Bolsa Família como melhor remédio para evitar o aumento da pobreza no país. “Se isso é possível, o Brasil tem que decidir”, afirmou economista da instituição, Emmanuel Skoufias. “Até agora o Bolsa Família foi considerado um programa de redistribuição, mas ele também pode ser uma rede de segurança no sentido de dar dinheiro para pessoas que precisam. E, quando a economia melhorar, essas pessoas não precisarão continuar sendo beneficiárias”.
O programa foi criado no primeiro mandato do governo Lula. Conforme o estudo do Banco Mundial, entre 2004 e 2014, mais de 28 milhões de brasileiros deixaram a linha abaixo abaixo da pobreza. Ontem, em resposta à proposta do Banco, o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social e Agrário, negou que haja necessidade de ampliar o orçamento do programa para evitar aumento da pobreza. “Não sei de onde o Banco Mundial tirou essa”, afirmou ele, ao participar de evento no Rio. “A não ser que queiram nos colocar a pecha de governo que não se preocupa com os pobres”. Segundo o ministro, organismos internacionais, como o Banco Mundial, “estão contaminados com a visão” de que o governo Temer não se preocupa com a pobreza.
Cogitei comentar as declarações do ministro, mas elas falam por si só – são reprodução de um raciocínio que (por ignorância ou lógica política) se manifesta desde o início do programa. Contra esse tipo de pensamento há estudos e avaliações de organismos internacionais, como o próprio Banco Mundial (o qual, suponho, não é uma instituição esquerdista em luta contra o capital…). Há um texto do Banco, intitulado Bolsa Família: uma revolução silenciosa (2013), que entre outras coisas diz o seguinte: “Políticas sociais podem ir além da assistência e se tornar instrumentos ativos de transformação social e econômica? O Brasil está demonstrando que sim. O Programa Bolsa Família, que conta com o apoio técnico e financeiro do Banco Mundial, é apontado como uma das principais razões para os importantes resultados sociais atingidos pelo Brasil nos últimos anos”.
Outro trecho: “A virtude do Bolsa Família é atingir uma parcela significativa da sociedade brasileira que nunca tinha sido beneficiada por programas sociais [grifo meu]. Ele está entre os programas mais bem direcionados do mundo, chegando a quem realmente precisa dele”.
E mais um, falando da influência internacional do programa: “O sucesso motivou adaptações em quase 20 países, como Chile, México e outros paises no mundo inteiro como Indonésia, África do Sul, Turquia e Marrocos. Mais recentemente, a cidade de Nova York anunciou o programa ‘Opportunity NYC’, de transferência condicional de renda, modelado no Bolsa Família e no equivalente mexicano. Esta é uma das raras ocasiões em que um país desenvolvido está adotando e aprendendo com experiências do chamado mundo em desenvolvimento”.
Em relação aos pobres, o Banco Mundial e o papa Francisco estão com um discurso muito mais apropriado para o Brasil do que muita gente que está aqui.