01.04

 

O mundo se transforma e com ele, os desafios da luta para criar adultos conscientes e de cabeças arejadas.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Tenho sempre tendência a crer que por trás de xícaras de cafés estão pessoas dispostas a falar de aflições sem o peso que as aflições normalmente têm. Há poucos dias, numa destas cafeteria da Zona Sul, uma amiga que é mãe de dois filhos – um menino e uma menina, de 8 e 6 anos – confidenciava sobre o dilema da criação, nascido a partir das mudanças que surgiram na família com os pulos dados pelo mundo em direção ao futuro. Os pais, naturalmente, passaram a se sentir inseguros sobre a melhor maneira de educar preservando a autoridade e a legitimidade da relação, sem nunca perder, claro, a perspectiva do vínculo afetivo. É uma matemática complexa, porque, afinal, a arte de formar homens sempre foi a mais desafiadora e, na maioria das vezes, não basta apenas exercer bem os papeis que lhes cabe em casa – há que prestar atenção (e muita) em como o mundo caminha lá fora.
Minha amiga e o marido possuem a enorme vantagem de ter ficado íntimos dos livros desde cedo, necessidade que tentam repassar a todo custo para os filhos. São do tipo que assinam embaixo da tese de que “as crianças começam a ser leitoras no colo dos pais”, a partir das histórias contadas dia após dia. Mas aí aparece a dúvida mais espinhosa: que tipo de leitura é a que pode lançar mais luz sobre a tarefa de educar melhor, sobretudo quando lá fora a realidade é capaz de produzir apelos os mais distorcidos e influenciar os rebentos da pior maneira? Neste ponto, a conversa foi ilustrada com impressões sobre o livro Para educar crianças feministas, da jovem escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que chegou às livrarias no começo do mês. Um livro fininho, com linguagem simples e clara, feito para pais que não confundem feminismo com defesa de uma suposta supremacia da mulher sobre o homem, mas enxergam o que de fato significa – apenas luta por direitos iguais. A propósito, o título tem sido recomendado pela crítica até para quem ainda não se candidatou a viver a singular aventura da maternidade.
É fácil perceber a angústia de pais que desejam filhos com cabeças arejadas, perfeitamente adaptados aos padrões de comportamento da futura vida adulta, embora muitas vezes tanto esforço não produza, necessariamente, os resultados imaginados: acidentes de percurso acontecem e podem levar à perda do controle da situação, porque, afinal, o imponderável existe e costuma se revelar quando e onde menos se espera. Mas minha amiga está otimista com movimentos feitos por alguns países para desconstruir padrões danosos. O Chile, por exemplo, que anda apostando no “desprincesamento” como forma de contribuir para empoderar as meninas desde o ambiente escolar. Este entusiasmo foi o que, inclusive, a fez concluir muito rapidamente a leitura da nova obra de Chimamanda, sobre a qual anotou alguns pontos considerados fundamentais na relação com a filha. Leu de um por um, enquanto eu pedia outro café.
Para educar crianças feministas nasceu da adaptação de uma carta escrita pela autora como resposta a certo pedido feito por uma amiga de infância que se tornou mãe de uma menina. Conhecendo Chimamanda a realidade das mulheres na Nigéria e sendo ícone do movimento feminista no mundo, ninguém melhor para sugerir caminhos por onde o relacionamento mãe-filha deveria seguir. “Ensine a Chizalum que papéis de gênero são totalmente absurdos”, aconselha a escritora, frisando que a amiga “nunca fale do casamento como uma realização”. Mais adiante, diz que “ensine-a a questionar o uso seletivo da biologia como ´razão´para normas sociais em nossa cultura”, além do cuidado que se deve ter para, ao explicar sobre opressão, “não converter oprimidos em santos”. Pelas orientações de Chimamanda, Chizalum deve ouvir cedo sobre sexo e, também, acerca das diferenças. Ao fim da conversa, depois de vários cafés, eu e minha amiga o que fizemos foi realçar o inestimável valor dos livros na construção dos valores humanos e a importância dos pais – quando os pais se dedicam a ser amigos e parceiros dos filhos durante toda a vida.