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Ter de contribuir 49 anos para ter benefício integral é “arbitrariedade”, diz ex-candidata a presidente.

Vandeck Santiago (texto)
Greg (arte sobre foto de Elza Fiúza/Agência Brasil)

Marina Silva não é Aécio Neves nem Dilma Rousseff, se é que vocês me entendem. Com a comparação não quero dizer que seja pior ou melhor do que eles, apenas realçar que são diferentes. Ex-ministra do Meio Ambiente nos dois governos Lula, ela já disputou duas eleições presidenciais: obteve 19,6 milhões de votos na primeira (2010) e 22 milhões na segunda (2014). Criou um partido (Rede Sustentabilidade) e conquistou um espaço reservado na política nacional, ali pela faixa da centro-esquerda. Nesses últimos tempos de crise, Marina tem falado pouco, o que tem sido motivo de cobrança inclusive de alguns dos seus aliados. Pois bem, depois de meses de silêncio, ela começou a falar. Ontem, em entrevista distribuída pelo Valor PRO, serviço em tempo real do jornal Valor, ela se posicionou de forma contundente sobre o presidente Michel Temer e sobre a reforma da Previdência.
A respeito de Temer, disse que ele é um “presidente sem legitimidade, credibilidade e popularidade”. Dos políticos nacionais, é o primeiro que vejo referir-se a ele de forma tão dura. Sobre a Previdência, Marina afirmou que a reforma proposta pelo governo tem “algumas arbitrariedades”, que deveriam ser revistas. “Contribuir 49 anos para ter o benefício integral num país em que temos 13,5 milhões de desempregados é condenar ninguém a receber aposentadoria integral”, disse, mencionando um ponto. “Tratar os trabalhadores rurais da mesma forma que os urbanos é uma injustiça muito grande”, completou, citando outro.
Para um assunto em que há muitas opiniões de especialistas enumerando questões técnicas, o posicionamento às claras de um líder político sempre ajuda a dar discernimento sobre pontos importantes. Aqui tem outra frase de Marina, na mesma entrevista, que merece ser replicada: “Como é que se vai pedir sacrifício para a sociedade apenas pela estabilidade econômica? Não podemos sacrificar a agenda social, a agenda ética de que precisamos passar o Brasil a limpo. As reformas são necessárias, mas é fundamental que se tenha legitimidade, credibilidade e popularidade”.
Marina deu a entrevista durante intervalo na Brazil Conference, evento realizado nos EUA, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Universidade de Harvard, organizado pela Fundação Lemann, empresas e bancos brasileiros.
Sexta-feira passada, no mesmo evento, ela criticou a reforma política em pauta no Congresso, afirmando que ela é excludente, institucionaliza o abuso do poder econômico com dinheiro público e fortalece o poder dos partidos e dos seus caciques.
É provável que a saída abrupta de Marina do silêncio em que estava tenha a ver com a proximidade política da disputa presidencial de 2018 (indagada pelos repórteres se seria candidata, ela respondeu: “Ainda estou no processo de discernimento”). O El País Brasil, ontem, interpretou o posicionamento dela como uma tentativa de “disputar o voto anti-Temer da esquerda”, avaliação que ao meu ver restringe o alcance da insatisfação popular do presidente e de determinados pontos da reforma da Previdência (não é só a esquerda que está contra um e outra). Mas, enfim, há um outro aspecto aí merecedor de atenção: o de que Temer está se tornando o alvo ideal, aquele em quem todos batem. Marina e a Rede nunca fizeram parte de sua base de apoio, porém o tom empregado por ela contra o presidente e suas reformas já são indicativos de que se acelerou – mais rapidamente do que o usual – o combate político. Outras forças, que têm entre seus integrantes políticos que oscilam entre o “apoio crítico” e “oposição” ao governo, podem ser impelidas ao mesmo caminho. Quando um governante se torna “alvo ideal”, espalha sua impopularidade entre seus aliados – que vão disputar mandatos de deputado, senador e governador, e a quem não interessa subir nos palanques em companhia de alguém com essa característica. Para não tornar-se esse “alvo”, só há um antídoto: fazer um governo que seja reconhecido como bom pelos seus governados.