13.04

 

A Páscoa nossa de cada dia esconde histórias como a que foi vista terça-feira no Hospital do Câncer.

Silvia Bessa (texto)
Bernardo Dantas (foto)

Pelo corredor do hospital, aquele homem vinha se aproximando. Era terça-feira passada. Numa calmaria inacreditável do luto, chorava lágrimas quase em câmera lenta. Com a palma da mão aberta, secava uma a uma. Seguia em direção a quatro mulheres que, por vezes, deram o ombro a sua companheira no leito da morte. “Eu preciso pedir um presente para meu filho”, disse ele. Líder do voluntariado em Pernambuco quando se trata de câncer feminino, dona Maria da Paz Azevedo achou ser uma referência a um brinquedo para o menino de seis anos que há poucas horas teria ficado órfão de mãe – ela, vítima de um câncer agressivo. “Compramos um presente para ele”, respondeu dona Maria da Paz. O pai queria um presente diferente e mais valioso: “A senhora pode fazer uma carta como se fosse a mãe de meu filho?”, interrogou como sugestão. “Como?”, perguntaram-lhe, pedindo detalhes. “É que meu menino não vai aguentar saber que a mãe morreu”. Silêncio profundo. Era o que ninguém havia cogitado.
Este homem, o marido e pai continuou para convencer o grupo de mulheres que dedicam parte do seu tempo uma, duas, três vezes na semana para atender os anseios do próximo. “A senhora é mãe?, então a senhora escreve como se fosse a mãe de meu filho. Queria que dissesse para ele ter calma. Não chore. Diga a ele que vai se encontrar com ela um dia no céu, diga que seja uma boa pessoa. Que tenha cuidado, que não faça coisas erradas…”. Era o que qualquer mãe poderia dizer para um filho, caso soubesse que teria as últimas recomendações a fazer sobre o futuro. Ou era o que qualquer pai que ama desejaria que o filho tivesse como norte para a vida adulta.
Ao lado de dona Maria da Paz estava Tatiana Marques, que há quase dois anos se tornou voluntária do Hospital do Câncer de Pernambuco e que me fez este relato sobre o que viu e ouviu esta semana. “O senhor acha isso certo?”, questionaram. Ele se manteve firme. Dentro do seu desespero, achava. Parecia tão determinado que já tinha consigo folha e papel para a carta. Dona Maria da Paz pegou-as, afastou-se e começou a rezar, segundo ela para pedir orientação Divina para as palavras certas. Como se fosse a mãe do garoto, explicou que não coube a ela a decisão da partida, mas que teria chegado a hora de ir e não deu tempo de dizer tudo a ele. Todos os dias, contou Tatiana, a mãe fazia questão de pedir um telefonema para o filho que mora no interior de Pernambuco. A carta falou ainda do pai do menino, lembrando que enquanto marido era carinhoso e dedicado, e citou a promessa que ele pediu pra mencionar (“diga que eu vou cuidar dele”). O que Tatiana lembra da mãe que se foi: “Acho que a paciente ficou na unidade de cuidados paliativos cerca de um mês. A gente sempre via ele na beira da cama da mulher e tinha por hábito alisar o cabelo dela”. O mesmo cabelo que fazia forte contraste com a pele pálida e as olheiras cada dia mais acentuadas.
O texto teve duas páginas escritas a punho. “Um dia, quando você crescer, você saberá a alegria que me deu em vida”, confortava, para emendar as recomendações sobre ser uma pessoa do bem. A carta foi uma declaração de amor como o pai queria deixar para o menino que irá criar. Das mãos das voluntárias, recebeu-a “extremamente emocionado”.
Esta é uma história da vida real. E uma história pascoal. Desconhece-se o nome do homem, mas para Tatiana Marques, dona Maria da Paz Azevedo e amigas esse pai, ao pedir uma carta para seu filho, falou de amor, de promessa, de reencontro e de renascimento.