27.05

 

Em alguma hora do encontro com Trump, Francisco ficou sério e críticos viram possível desagrado com a visita.

Luce Pereira (texto)
Editoria de arte (imagem)

Poucas figuras públicas no planeta, atualmente, são tão carismáticas quanto o papa Francisco e poucas tão “indigestas” quanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O encontro dos dois, esta semana, no Vaticano, acabou servindo para amenizar o tédio que as mazelas políticas vêm produzindo nas redes sociais, transformadas em campo livre para bate-bocas desairosos. Pelas profundas diferenças filosóficas que separam o pontífice do magnata de Nova York, as interpretações só poderiam ser as mais divertidas possíveis, embora fontes e veículos oficiais tenham se empenhado em traduzir o clima durante a conversa como cordial e leve, marcas do relacionamento do papa com o mundo extramuros que se estende além do Vaticano. Verdade seja dita, há hoje uma tendência a ridicularizar tudo o que vem dos Trump e a aplaudir tudo o que se refere ao santo padre, sobretudo pela espontaneidade. Ela já rendeu imagens memoráveis durante o papado, mas não leva o chefe da Igreja a perder o bom senso e a pisar em falso no escorregadio caminho da diplomacia. O dono da casa pode até discordar frontalmente deste ou daquele comportamento, mas não esquece da importância da instituição que dirige nem da de quem é recebido por ele – do mais humilde ao ocupante da mais alta posição na pirâmide social, o tratamento segue o preceito da fraternidade.
Afinal, Francisco chegou mesmo a dar um tapa nada discreto na mão de Trump durante a foto onde também estavam a mulher, Melania, a filha Ivanka e o genro (Jared Kushner)? Ainda hoje o meme é compartilhado e arranca sonoras gargalhadas quando aparece nas timelines dos usuários de redes sociais e, pela perfeição (inclusive usando o selo da CNN), chega a quase convencer, exceto por um detalhe: a imagem falsa no GIF mostra o presidente com paletó sob o qual aparece o punho branco da camisa, enquanto a verdadeira, apenas a manga do paletó preto indo até metade da mão. Mas, imagina se o desagrado de Francisco com as visitas chegaria a tanto, embora o mundo intua a absoluta falta de empatia entre as partes. A expressão séria do pontífice a um dado momento, classificada de stone-face (rosto de pedra) pelos patrícios de Trump, logo foi vista como sinal de antipatia, porque, como dito anteriormente, o que o mundo quer mesmo é mostrar a própria má vontade com a família mais poderosa dos Estados Unidos.
Nenhum dos interessados em aproveitar o encontro como mote para uma série de piadas se deu ao trabalho de concluir que o papa simplesmente não pode rir o tempo inteiro. Que graça haveria em se buscar a verdade? Sim, porque por esta ótica as imagens do rosto sombrio na chegada a Fátima (Portugal) dariam a entender que Francisco poderia não estar apenas cansado ou pensativo, mas já ter perdido a fé na santa ou mesmo a vontade de propagá-la. Os nada simpáticos a qualquer movimento feito por Trump e seus descendentes são implacáveis. Riram muito, por exemplo, da roupa totalmente preta e dos vistosos arranjos da mesma cor na cabeça da mulher e da filha do presidente, mas não foram tão espirituosos na ocasião em que Elizabeth II da Inglaterra visitou João Paulo II vestida de negro quando a regra do Vaticano, para rainhas em visita aos papas, é vestir branco. Na cor e na elegância, as norte-americanas acertaram. O problema é que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, como diz certa parábola, do que aquela família agradar em alguma coisa.
Alheio a todas essas convenções e críticas, a verdade é que Francisco tratou os Trump sem a distância imaginada. E se houve “puxão de orelha” foi na forma dos presentes que deu ao inquilino da Casa Branca: um exemplar do seu elogiado ensaio sobre a importância de se salvar o meio ambiente – assunto para o qual o presidente torce o nariz – e medalhão com a imagem de uma oliveira, símbolo da paz. O papa disse que ela é necessária e o presidente, que “é bom”. Talvez estivesse nessa resposta o verdadeiro mote para um bom meme.