Criador da campanha #DevolvamNossoSãoJoão completa hoje 37 anos e recebe novas adesões de artistas.
Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)
Chambinho do Acordeon não poderia ganhar melhor presente, hoje, pela passagem do aniversário de 37 anos, do que saber da crescente adesão de músicos com o DNA do forró no sangue à campanha que criou com Joquinha, sobrinho de Luiz Gonzaga – para sempre, a estrela encarregada de trazer maior brilho às noites juninas do Nordeste. As redes sociais são o espelho mais fiel de que a mobilização vem surtindo efeito junto ao público, porque as postagens que usam a hashtag DevolvamNossoSãoJoão andam sendo compartilhadas com frequência animadora. Convenhamos, o explosivo (e oportuno) desabafo da cantora Elba Ramalho sobre o grande número de artistas de outras regiões nos maiores palcos dos festejos, sobretudo Campina Grande (PB), ajudou um bocado, ainda mais depois da desairosa nota da área de Comunicação da prefeitura do município e da fala do prefeito Romero Rodrigues (PSDB) tentando botar panos mornos na polêmica. Importante seria que mais representantes do legítimo São João se posicionassem de forma incisiva como fez a cantora paraibana, que, pelos anos de estrada, de reconhecimento e de espaço conseguido aonde quer que vá não deve sofrer da tal “sofreguidão midiática” apontada pelo autor da nota “cascuda”. Nem Alcymar Monteiro, outro a espernear pela “invasão” que faria qualquer bom tocador pedir para beber.
Fatos assim ajudam gestores a ao menos intuir que não podem, em nome de quaisquer interesses, sobretudo de ordem econômica, tratar aqueles que carregam a bandeira da cultura popular como se fossem de valor secundário. Diriam os que professam as lições de mestres como Luiz Gonzaga, Zé Dantas, Humberto Teixeira, Jackson do Pandeiro, Patativa do Assaré, Catulo da Paixão Cearense, entre tantos: “Epa! Devagar com o andor! “. Sim, porque o santo, além de ser de barro, tem dono. A Prefeitura de Caruaru parece ter entendido, ao menos em parte, a necessidade de não ferir os brios de quem quase nasceu colado a uma sanfona: instalou um palco no Alto do Moura para onde irão nomes como Alceu Valença e Lenine, que embora tenham vínculos de amorosidade com o forró, não possuem um trabalho exatamente voltado para o ritmo. Há que esbanjar jogo de cintura e capacidade de entendimento para chegar a uma grade de programação que, se fica a quilômetros do ideal, ao menos não se mostra tão ofensiva àqueles que de fato merecem ocupar o palco número um da festa. Questão de justiça e de bom senso.
Na realidade, o que o meio cultural espera é que, não em um tempo a perder de vista, seja possível entender claramente o que levou prefeituras e governos a abrir cada vez mais espaço a atrações estranhas à essência da festa, quando se sabe que nos redutos mais tradicionais dos festejos o público nunca deixaria de se divertir ao som do forró pé de serra, aquele que rompe a barra do dia com os “devotos” pedindo mais. Receita simples, sem tirar nem por: sanfona, zabumba, triângulo e um cantador de primeira dando vida a uma poesia com o poder de traduzir, com a maior naturalidade, os sentimentos do povo. Por que então render-se à moda ditada pelos grandes veículos de comunicação, colocando para o banco de reserva o time que estava ganhando? Sim, certamente este modelo precisa ser revisto, o que exige transparência por parte de quem contrata. Eis o maior problema.
Mas, por enquanto – e enquanto fica claro que os chamados “sertanejos” não costumam dividir o mesmo palco, em seus territórios sagrados, com forrozeiros pé de serra – é preciso apoiar a campanha do aniversariante do dia, que não quer hostilizar nada nem ninguém, apenas recuperar o tempo e o espaço perdidos pela cultura genuinamente nossa. Se a nação forrozeira conduz o legado de artistas do quilate de Luiz Gonzaga, cujo trabalho e vida levaram para fora do país a imagem de um Nordeste musical, poético, alegre e criativo, não sejamos ingratos entregando a bandeira de São João a quem tem dificuldade de entender a diferença entre baião, xote e xaxado. É um crime.