Professor austríaco desapareceu no interior do Nordeste, enquanto fazia buscas sobre inscrições rupestres.
Vandeck Santiago (texto)
Jarbas (arte)
A história do explorador britânico Percy Fawcett vocês já conhecem: obcecado por encontrar uma fabulosa cidade perdida na Amazônia brasileira, ele desapareceu durante expedição na mata em 1926 e seu corpo nunca foi encontrado. Trata-se de um episódio internacionalmente conhecido, objeto de pesquisas e de livros e de um filme que está em exibição no momento, “Z – A cidade Perdida” (The lost city of Z).
Já a história do professor Chovenágua teve desfecho igualmente trágico, aconteceu na mesma época, ele era também um explorador, porém é praticamente desconhecida. Para começo de conversa, o nome dele era outro: Ludwig Schwennhagen. Por ser difícil de pronunciar, o povo no Nordeste o rebatizou como Ludovico Chovenágua… Ao que tudo indica, ele próprio — que era professor de História e Filologia na Áustria, e membro da Sociedade de Geografia Comercial de Viena — aprovou pelo menos em parte o novo nome, porque ao lançar seu primeiro livro no Brasil, em 1928, assinou como “Ludovico Schewennhagen”.
Fawcett queria encontrar uma cidade perdida; a obsessão de Chovenágua era ainda mais, digamos, inusitada: baseado em lendas e registros históricos, ele defendia a tese de que o Brasil fora “descoberto” pelos fenícios, 1.100 antes de Cristo., e não por Pedro Álvares Cabral, 1.500 d. C…. O livro que publicou em 1928, pela Imprensa Oficial de Teresina (PI), era sobre isso: Antiga História do Brasil — de 1.100 a.C a 1.500 d.C.
O professor rodou pelo Nordeste durante duas décadas, 1910 e 1920. Ninguém sabia com exatidão por que ele viera para cá. Mas seus títulos e sua pesquisa o fizeram ser recebido por autoridades nordestinas, que até lhe forneceram apoio para viagens e investigações, e ser convidado a dar conferências.
As pinturas rupestres encontradas no interior do Nordeste seriam, segundo ele, inscrições fenícias. Além disso, havia semelhanças entre as línguas faladas pelos índios do Brasil e línguas antigas da região da Fenícia (atual Líbano). Dizia ele que fenícios e troianos (sim, de Tróia, a própria…) haviam fundado cidades ao longo do litoral nordestino. Uma delas era Tutóia, no Maranhão. O nome seria derivado de Tur, a principal cidade fenícia, e Tróia. Assim, Turtroia teria virado Tutóia… Já um conjunto de rochas no Piauí (hoje Parque Nacional de Sete Cidades), onde há inscrições rupestres, seria segundo o professor as ruínas de uma mítica comunidade criada pelos fenícios, a ilha das Sete Cidades.
Hoje soa absurda a hipótese de fenícios no Brasil, mas no final do século 19 o Brasil enviou para a França inscrições encontradas numa pedra para serem analisadas por um especialista em línguas orientais, que participara de escavações na região da Fenícia — o francês Ernest Renan. Para surpresa geral, o laudo dele afirmava que, sim, as inscrições eram… fenícias. Depois se constatou ter havido uma fraude: as inscrições enviadas não eram da pedra, mas de um texto fenício. Nos anos 1960, dois professores universitários estrangeiros, Cyrus Gordon (Massachusetts, EUA) e Alb Van Den Branden (Líbano), tornaram ao assunto, insistindo na presença fenícia no Brasil. Hoje, porém, o assunto não é levado a sério no meio científico.
Mas voltemos ao professor Ludovico Chovenágua. Relatos da época dizem que era “grandalhão” e gostava de tomar uma cachacinha quando não estava trabalhando. Ninguém sabe que fim ele levou. Um autor escreveu, tragicamente: “Nasceu em qualquer lugar da velha Áustria antes da guerra, morreu talvez de fome, aqui n’algum canto do Nordeste. Orai por ele!”. Deixou o livro já citado, que teve uma segunda edição pela Editora Cátedra (RJ), em 1970. A Fundação Guimarães Duque (RN) publicou em 2004 um curto livro sobre ele, Os fenícios do professor Chovenágua, de autoria de Olavo de Medeiros Filho.
Descobri Chovenágua faz cerca de 20 anos, e tentei — por enquanto sem sucesso — escrever uma reportagem reconstituindo sua história. Assisti domingo a “Z – a cidade perdida” e durante as mais de duas horas de projeção do filme a história do infortunado professor austríaco não me saiu da cabeça. Em artigo de 2 de julho de 1926, ele chega a mencionar o explorador britânico, citando “o ponto final da navegação dos fenícios, no Rio da Prata, onde agora o teosofista coronel Fawcett está procurando as ruínas duma grande cidade”. A obsessão de Fawcett era a cidade perdida, que ele tinha certeza estaria ali na floresta. Foi por isso ridicularizado pelos seus pares, e acabou morrendo na busca, acompanhado de um filho. Ludovico Chovenágua perseguia inscrições, como um visionário condenado a nunca ver suas visões transformadas em verdades e a ser por isso sempre ridicularizado. Seus ossos, assim como sua história, estão enterrados em algum lugar do vasto Sertão nordestino.