11.08

Quem troca as compras por emoções positivas experimenta sentimento mais duradouros de felicidade.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

O que existe de comum entre o desejo de consumir exageradamente, um dos mais sábios conselhos de Sócrates – conhece-te a ti mesmo – e o sentimento de gratidão? Quem se aventura a descobrir a resposta pode estar candidato a viver com muito mais sossego e qualidade de vida. Eu mesma fui em busca do “fio da meada” ao conviver, na prática, com duas situações opostas: de um lado, um amigo que não pode ver ou ouvir a palavra “liquidação” e do outro, certo conhecido para o qual é a glória se desafiar a não gastar um só centavo durante o dia, pelo menos durante dois dias na semana. Curiosamente, o primeiro tem uma situação financeira mais delicada do que o segundo, para o qual “o futuro pode existir” e não gostaria de ser pego de calças curtas, ainda mais vivendo em um país com tão pouco apreço por seus habitantes. São praticamente da mesma geração e partilham gostos parecidos, mas a diferença reside em um ponto que une as três perguntas – a forma como lidam com as emoções. Vou chamar de Elvis o que cai em qualquer tentação do consumo fácil e de Fernando, aquele que tenta manter as finanças com alguma saúde. Eles não se conhecem.
Na busca por entender o mecanismo que move um e outro, acabei por descobrir que psicologia e economia não são assim tão diametralmente opostas. Elvis nem pensa nas complicações que surgirão a partir de toda compra feita por impulso e se sente realizado na hora em que está se tornando o “infeliz” proprietário de algo desnecessário, mas atraente. Poderia ser um exemplo perfeito para ilustrar o estudo da revista científica Psychology and marketing, segundo o qual o humor melhora, em situações assim, porque o cérebro se sente recompensado, tal quando o indivíduo faz uso de drogas. Ou seja, o consumo como possibilidade de elevação do bem-estar, embora depois venham emoções negativas como remorso e culpa e elas sempre conspirem para deixar a autoestima mais avariada. Eis o problema: deprimidos, aflitos, temos o autocontrole diminuído, passando a ser sérios candidatos a tomar decisões erradas. E, sem uma dose razoável de autoconhecimento, o ciclo segue se repetindo.
Depois de observar tanta gente tentando se promover emoções positivas por esta via torta (imediatista), tendo à frente a saúde mental comprometida por sentimentos decorrentes da vergonha e da autocrítica, a psicóloga australiana Joanne Corrigan criou um tipo de psicoterapia focada na compaixão – e é aí que provavelmente se encaixe o caso de Fernando: quando sente vontade irresistível de consumir, estanca o impulso se promovendo pequenos prazeres que não são resolvidos via cartão ou qualquer outra forma de crédito. Um deles é ajudar ou agradar alguém. De acordo com Corrigan, o cérebro dispõe do necessário para promover a sensação de alegria e felicidade, desde que o indivíduo volte o foco para sentimentos de gratidão e compaixão. Aqui estaria a receita para “enganar” o cérebro, pois se a ansiedade (por comprar, neste caso) induz à liberação de hormônios como adrenalina, cortisol e dopamina, o antídoto vem com sentimentos de gratidão, que promovem a liberação de endorfina e oxitoxina. Pessoas que optam por este caminho (da “recompensa” a longo prazo) experimentariam sensação mais duradoura de felicidade.
Numa sociedade neurótica e praticamente rendida às emoções fáceis e descartáveis, os apelos do consumo são como o canto da sereia, mas a ciência anda buscando respostas e oferecendo caminhos para a “cura”. A tipos como Elvis, o melhor, parece, seria o consultório de um psicoterapeuta que concorde com a abordagem de Corrigan; enquanto para Fernando, sem dúvida,o ideal é seguir apostando no autocontrole como ferramenta para alcançar um dos mais cobiçados estágios da sabedoria – o ser, muito mais do que o ter. Foi a partir dele que a filosofia de Sócrates tornou-se imortal.