De São Lourenço e com apenas um mês, a criança deve ser criada como agênera pela família.
Silvia Bessa (texto)
Gabriel Melo/ Esp. dp (foto)
Ariel tem nome de anjo. Ou de princesa da Disney. Veste roupas em cores neutras. Pode ser amarelo, verde ou colorido em tons pastéis. Em certos dias, pode estar coberto com camiseta em azul; noutros, em rosa. Terá carros, martelos, cozinhas com florzinhas e bonecas. Se forem negras, um tanto melhor. “Porque só precisa brincar com o brinquedo que tiver vontade e ser o que ele quiser”, diz a mãe, Taynan dos Prazeres, 18 anos. Quando perguntam a Taynan e ao pai afetivo, Yudi dos Santos, se é menino ou menina, os dois – e a família em fase de aprendizado – respondem de pronto: “É apenas uma criança. Um bebê livre”. Nascido em 4 de julho de 2017 às 9h17 no Hospital da Mulher, Ariel Carneiro dos Santos, com naturalidade pernambucana de São Lourenço da Mata, será criado para escolher sua identidade de gênero quando bem entender e esta é a razão para dar-lhe um nome considerado “agênero”. Talvez Ariel se torne uma referência ao se falar de mudança cultural no Brasil.
“Se olham no meu braço e falam ‘é lindo”, eu continuo a conversa. Se falam ‘é linda’, não corrijo a pessoa e deixo quieto. Entendo que é uma questão cultural que nos leva ao binarismo”, explica Taynan, afirmando que ela mesma por vezes usa o pronome masculino por força do hábito. O nome foi sugerido pelo pai biológico da criança, André dos Santos. “Pesquisamos bastante e foi aí que ele deu a ideia. Achei o nome Ariel perfeito e eu não precisei dizer a André sobre minha preocupação em ser algo neutro porque ele é uma pessoa com cabeça aberta e que não tem tabus”, conta a mãe de Ariel. Explica-se: Ariel tem dois pais. André é o pai biológico. Yudi dos Santos, 25 anos, é o pai que o ajudou a nascer de parto normal, fazendo massagens e segurando a mão da companheira. O mesmo que o coloca no colo todos os dias para dormir.
A família se formou assim: Yudi começou a namorar Taynan em 2015. Os dois se separaram mas mantiveram a amizade. Taynan conheceu André, engravidou aos 17 anos e, já no início da gravidez, os dois se distanciaram enquanto casal. Durante a gravidez, Yudi e Taynan reataram e foi Yudi, à época com identidade feminina, quem a levou para fazer o teste de gravidez, os pré-natais e ajudou no parto humanizado – quando naquele dia ganhou a pulseira cinza do hospital e o direito de transitar livremente pela unidade de saúde como qualquer pai. “Foi uma alegria. A assistente social disse que não precisava nem explicar. Fomos com meu avô e foi uma agonia só porque as bolsas da maternidade estavam na casa de minha mãe. Eu estava muito nervoso”, conta Yudi, que acredita ser o primeiro homem trans-pai em Pernambuco a se declarar publicamente.
Ariel é hoje pilar de uma família das mais vanguardistas. No mesmo dia em que Ariel veio ao mundo, 4 de julho, a imprensa internacional noticiou o caso do primeiro bebê no mundo que recebeu um cartão de saúde sem identificação de gênero. Canadense, com nove meses de vida, Searyl Atli tem um “U” na área reservada ao sexo, o que seria uma letra identificando como sexo indefinido. A nova luta dos pais, um deles transgênero assim como a composição da família de Ariel, é para que a certidão de nascimento traga o gênero do filho em branco.
O bebê pernambucano Ariel, que teve o nome escolhido antes mesmo do marco internacional, é um ativista desde que estava no ventre da mãe, que já participava do movimentos LGBTs. “É uma criança fora dos padrões realmente. O certo é que a gente não incluiu Ariel na militância. Na verdade, Ariel acrescentou na nossa militância”, diz Yudi vice-coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade em Pernambuco e segundo-secretário da Associação de Homens Trans e Trans-masculinidade. “Lá no Coletivo Mães pela Diversidade, até chá de fraldas fizeram para Ariel. Fui muito apoiada”, arremata Taynan, também militante, citando o Coletivo que tem atuação em 17 estados enquanto era observada pela mãe, dona Gracineide. “É mesmo. Muito amado. Confesso que eu não gostei do nome, mas depois fiquei pensando: o que importa mesmo é que meu neto e minha filha sejam felizes”, afirma a avó coruja, que tem levado puxões de orelha dos pais por estar dando tanto dengo que o bebê chora por um braço aconchegante.
É uma novidade de mudança social? É e pode ser o início de uma tendência. “Começamos a ver outros casos de gestação iguais à de Taynan e de pessoas que querem os mesmos para seus filhos”, dizem Taynan e Yudi, revezando-se ao acarinhar a cabeça do bebê cabeludo e repetindo – ambos – o quão o bebê Ariel é amado.