18.09

Wladimir Reis, da ONG GTP+, criada há 17 anos, convoca voluntários para manter instituição viva.

Marcionila Teixeira (texto)
Thalyta Tavares (foto)

Os amigos e familiares de Alberto não puderam ver seu rosto pela última vez. No dia do sepultamento, o caixão permaneceu fechado. Antes de ser colocado a sete palmos do chão, foi vedado com pregos por todos os lados. Por cima do ataúde, o coveiro ainda jogou cal. Na crença popular, a substância acelera a decomposição do corpo e reduz o risco de contaminação por doenças. Havia um aparente pavor no ar naquela terça-feira com cheiro de morte. Alberto tinha Aids. Aconteceu em 1994, uma época onde a desinformação sobre a doença era mais regra que exceção. O preconceito gerava atos desumanos. Ainda é assim. Wladimir Reis, hoje com 54 anos, companheiro de Alberto, viu tudo. “Foi indelicado. Foi horrível”, lembra.
Wladimir sobreviveu aquele dia. Convive com o HIV desde então. Por conta disso, ajudou a construir, em 2000, uma ONG para desenvolver trabalhos de prevenção e contribuir no enfrentamento da epidemia. O Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) cresceu, tornou-se respeitado por organizações internacionais. Seus integrantes aprenderam com a cooperação alemã e inglesa a acreditar na causa, buscar parcerias e mostrar as ações. O caminho foi espinhoso. Em 25 anos convivendo com o HIV, Wladimir viu antigos amigos se afastarem e o medo da morte virar pesadelo constante. Também surgiram as primeiras decepções com instituições ligadas à causa.
Há sete anos aconteceu dos recursos vindos do exterior minguarem e a crise bater à porta dos brasileiros. A ajuda de custo caiu em pelo menos 80%. Há três meses, Wladimir vendeu o carro para bancar a ONG, seu principal projeto de vida. Chora ao lembrar dos anos investidos naquele prédio antigo na Avenida Manoel Borba, na Boa Vista. É remanescente de uma época onde ter Aids era sinônimo de condenação à morte. Onde o preconceito latente na boca dos outros chamava o prédio do GTP+ de “casa da Aids”. “Quando as pessoas descobriam que de um lado do prédio funcionava a ONG, não queriam alugar o outro lado.”
Pelo GTP+ passaram travestis e mulheres trans que chegaram ao local com baixa-estima e alcançaram realização profissional e respeito graças aos projetos desenvolvidos na casa. Um exemplo é Maria Clara, estudante de serviço social, educadora e responsável pela coordenação de diversas atividades junto às populações de profissionais do sexo. Hoje Maria Clara está afastada das atividades porque sofre ameaças relacionadas à sua luta em defesa dos direitos humanos. “Há vinte anos, pessoas como eu se encontravam para morrer. Era assim que a gente pensava.”
A equipe multidisciplinar, reduzida pela falta de recursos, conta com 12 pessoas, sendo duas contratadas como prestadoras de serviço. Mais do que nunca, voluntários das áreas de serviço social, psicologia e direito são aceitos. “As pessoas que nos procuram precisam de escuta, encaminhamentos”, ressalta Wladimir. Hoje, 41 famílias de gays, travestis e transexuais em dificuldades financeiras são atendidas pelo GTP+. “A fome volta a chegar junto dessas populações. E a fome deixa a gente vulnerável.”
A ONG conta com doações de instituições parceiras e simpatizantes. Depende, ainda, de aprovações de projetos em editais. No prédio antigo onde a casa funciona há 17 anos, também há testes gratuitos de HIV de segunda a sexta-feira e um bazar de roupas usadas no térreo, cujo dinheiro obtido com as vendas ajuda na manutenção dos serviços. Quem quiser ajudar na causa pode ligar para o número do GTP+ (3231.0905) ou ir ao endereço da ONG, na Avenida Manoel Borba, 545, na Boa Vista. O GTP+ não pode morrer.