Furacões e terremotos matam, desabrigam e deixam prejuízo de bilhões de dólares para governos.
Luce Pereira (texto)
Greg/dp (arte)
Assistimos às catástrofes naturais que assolam o mundo com a quase indiferença com que o mundo assiste às nossas catástrofes políticas. Mesmo os noticiários carregando nas tintas, é a rotina de cada população que se encarrega de ditar o peso das importâncias. E com o individualismo exacerbado, fica fácil deduzir que, longe do epicentro das tragédias, vê-las passando nas imagens da TV enquanto se degusta uma coisa qualquer não dói nada. Parecem tempos de embrutecimento coletivo, embora em muitos a dor dos outros ainda toque de perto. Tenho encontrado pelo caminho gente muito sensibilizada com os dramas dos povos atingidos por furacões e terremotos em várias partes do mundo, que, surpreendentemente, gostariam de dispor de recursos para prestar algum tipo de ajuda. Não podendo, rezam, pedem trégua aos céus, que, entretanto, têm dado respostas bem diferentes aos apelos. Ontem mesmo, mais uma prova difícil de sobrevivência viveram habitantes do México, que mal se recuperavam do terremoto ocorrido há dez dias, de 8.2 de intensidade na Escala Richter, suficiente para arrasar cidades como Oaxaca, Chiapas e Tabasco, deixando uma centena de mortos. O tremor desta terça-feira, embora menos intenso (7.1 de magnitude), fez desabar diversos prédios na Cidade do México, provocou mortes, deixou feridos graves e as autoridades tiveram que recorrer a evacuações de urgência em vários locais.
“Quem não conhece um fenômeno de extrema fúria da natureza, deveria colocar as mãos para o céu”. Lembro-me bem desta fase proferida em 1993 por um comerciante de São Paulo, conhecido como Zuca Baiano, a quem ouvi casualmente numa visita a amigos. Tinha uma loja no Brás e estava em viagem aos Estados Unidos com a mulher e a filha, no ano anterior, quando se viu bem perto da devastação causada pelo furacão Andrew, o mais arrasador na história recente do país. Por causa dos danos (65 mortos e 65 mil casas destruídas), ficou mais uma semana além dos dias previstos para ajudar “ao menos com algum conforto”, pois sentia-se comovido com “a desorientação dos sobreviventes, que perderam familiares e bens”. Pelas imagens veiculadas ontem, de fato a palavra parece bem apropriada: diante da cena de prédios ruindo as pessoas só choravam, sem saber que direção tomar para fugir dos escombros e do medo de novos abalos. Ninguém duvida que, conhecendo a morte tão de perto, ao menos estas populações não se sintam profundamente sensibilizadas com tragédias no “quintal” do vizinho, como a que prometia ser, em muito maior escala, a passagem dos furacões Maria e Irma, este último esperado com força duas vezes maior do que o violento Andrew (o que acabou não se cumprindo) e do que o Harvey, responsável pela morte de dez pessoas, no fim de agosto, no Texas, além de deixar 30 mil desabrigados. O Maria, por sua vez, acaba de destruir ilhas do Caribe como Dominica, onde todos os 75 mil habitantes perderam tudo o que tinham.
Que o mundo entrou em convulsão não há dúvida, a julgar pelas sucessivas catástrofes climáticas, mas não se pode debitar tudo na conta da teoria de que é apenas o divino cobrando a conta pelos pecados do homem. Racionalmente, é o homem pagando pelos maus tratos à natureza, que a cada dia se mostra menos tolerante com o tamanho da negligência. Também, não resta a menor dúvida, é ele o único responsável pela indigência moral e política, as guerras, a fome, o individualismo, a corrupção e todas as ameaças que colocam em xeque a vida na Terra. Deus não tem nada a ver com isso, dado que se atribui a Ele toda a generosidade, inclusive em prover os recursos para que a raça humana construísse uma trajetória digna da tarefa – respeitar e amar, na medida necessária, todos os bens e dons recebidos. Nunca foi assim.