Maior no segmento das empresas que usam aplicativos, gigante norte-americana luta contra mudanças.
Luce Pereira (texto)
Greg (arte)
Quem escreve no Brasil dos dias de hoje sabe que deve fazê-lo “pisando em ovos”, porque não há a menor disposição para o debate e os julgamentos tendem a ser os piores possíveis sobre questões que afetam diretamente a vida da população. Existe como que uma artilharia apontada e pronta a disparar para todos os lados, mesmo quando o autor do texto pretende apenas defender o direito a um benefício qualquer com possibilidade de melhorar (mesmo bem pouquinho) a qualidade de vida de todos, já comprometida por tantos desmandos políticos. Mas é preciso insistir, sob todos os riscos. No caso da briga entre taxistas convencionais e a Uber, por exemplo, não se trata de defender estes últimos em detrimento dos primeiros, pois são todos trabalhadores em luta por lugar ao sol e condições razoáveis para o exercício da profissão. O problema é que no meio do conflito de interesses entre as partes está uma população cada vez mais avessa à ideia de depender apenas de um transporte público ruim – desconfortável, impontual e inseguro. Foi ele uma das causas do sucesso do serviço de táxi via aplicativos, que permitiu ao usuário, a preço que cabe no bolso, ter a mobilidade melhorada.
Ontem, dia de protesto contra um Projeto de Lei federal que tenta regulamentar o uso do serviço no Brasil, motoristas voltaram às ruas, no Recife, para pedir aos habitantes que pressionem os senadores a deixar as coisas como estão, aderindo, inclusive, a abaixo-assinado que circulou, via e-mail, entre usuários das empresas ancoradas nos aplicativos. Todas defendem que sendo aprovadas as alterações no texto do PL, tal como desejam empresários e motoristas de táxi convencional, o serviço estaria condenado a desaparecer, pois perderia seu maior atrativo – o baixo valor final das corridas, que pode ser conhecido antes mesmo de o passageiro entrar no carro, o que é no mínimo um item a mais de tranquilidade na lista dos benefícios: controle do tempo de chegada do veículo, preço sem alteração quando do reajuste de combustíveis e avaliação do serviço prestado pelo condutor, o que ajuda na qualidade da relação entre as partes. Inquestionavelmente, desde 2014, ano da chegada da Uber por aqui, o segmento de insatisfeitos com o transporte público e a tarifa de táxis comuns comemora.
As emendas ao texto já aprovado pela Câmara dos Deputados, em abril, substituem o trecho que coloca a atividade como exercida através de veículos de “natureza privada” por “carros de aluguel” e assim obrigariam as empresas virtuais a precisar de autorização emitida pelo poder público municipal. De acordo com a avaliação do setor, isto inviabilizaria completamente o serviço, para tristeza de parcela significativa de pessoas habituadas a usar sistematicamente os aplicativos, mesmo como alternativa aos veículos particulares – pela falta de estacionamento nas grandes cidades, o assédio de flanelinhas e os constantes reajustes no preço dos combustíveis. A expectativa é de que o presidente Temer vete o texto tal como foi aprovado.
Sim, não resta dúvida, a concorrência tornou a vida dos taxistas convencionais espinhosa, sobretudo para aqueles vinculados a empresas de rádio táxi, cuja mensalidade cobrada já é em si um peso considerável sobre ganhos cada vez mais reduzidos. Mas o mundo se renova numa velocidade vertiginosa, é impossível impedir as novas propostas de negócios produzidas pelo universo virtual. “O novo sempre vem”, como opinou sabiamente o cantor/compositor cearense Belchior. Do mesmo modo que não é justo qualquer categoria amargar a falta de política que garanta vida longa à profissão, também não é plausível que um serviço com aprovação significativa dos habitantes do país desapareça sob a desculpa da concorrência desigual. Assim, a moral da história fica óbvia: cedendo a pressões, sem oferecer qualquer outra saída às partes em conflito, o governo está apenas dando o mesmo velho recado aos súditos comuns – contentem-se com a vidinha de sempre, onde só cabem obrigações, arrochos e sopapos.