Desejo da Catalunha de se divorciar do país deve ser assunto restrito a habitantes, segundo conservadores.
Luce Pereira (texto)
Javier Soriano/AFP
O homem que me recebeu há pouco no Norte da Espanha, região conhecida como o berço da monarquia e, portanto, extremamente conservadora, brincou sobre o “sangue quente” dos patrícios, que, de acordo com ele,“brigam por tudo”. Os embates quase sempre existem apenas pelo fato de terem nascido brigões mesmo, sem precisar de muito para a temperatura subir. Assim é que “arengam” província com província, cidade com cidade e até bairro com bairro. Ah, mas quando é a Espanha que está no centro da questão, a história se mostra bem diferente – a maioria esquece que desafina num assunto ou noutro e busca um ponto de convergência, deixando clara a insatisfação com interferências vindas de fora. Agora que o país vive um momento político dos mais delicados em 40 anos de democracia, com a Catalunha querendo o divórcio a todo custo, aí sim eles não suportam a ideia de gente de fora tomando partido, como se fora uma briga de marido e mulher – onde o bom senso manda que não se meta a colher. “Os problemas são nossos, nós sabemos onde a ferida dói e ninguém mais”, disse-me enquanto as ruas de Barcelona fervilhavam, inclusive com a presença de estrangeiros, exigindo que a região pudesse ser chamada de nação e seguisse seu caminho livre do poder de Madri.
Num piscar de olhos, as fachadas de casas imponentes começaram a se encher de bandeiras da Espanha e foram se multiplicando vídeos de exaltação à importância do país unido, dando destaque aos componentes mais fortes da cultura de cada região e à importância delas para a grandeza nacional. Estava dito ali que a luta da Catalunha por libertação só serve para enfraquecer o país, longe de qualquer alusão àquilo que mais incomoda os rebeldes catalães – o fato de por lá se produzir riqueza tamanha, que se a região obtivesse soberania fiscal os habitantes viveriam de maneira muito mais confortável. Eis o ponto nevrálgico da disputa. Quando é para bater o pé e protestar, os separatistas trazem na ponta da língua números que incomodam: a economia deles, hoje, representa 19% do PIB, sendo a mais desenvolvida, enquanto os quase 8 milhões de habitantes totalizam 12% da população do país. Somando-se a isto tudo, claro, o fato de historicamente estarem sempre em lados opostos, pois enquanto a parte conservadora apoiava (e apoia, até hoje) o franquismo, os catalães eram a pedra no sapato do general ditador, sendo por ele duramente perseguidos com medidas punitivas severas.
A bem da verdade, o povo da Catalunha não parece se importar minimamente com a possibilidade de ser visto como espanhóis lights demais, em termos de nacionalismo, enquanto o resto do país deseja exatamente o contrário. Então, na hora do almoço ou do chisme (espécie de happy hour), dois momentos sagrados do dia, é que este conflito de opiniões mais alimenta as conversas e deixa de bochechas avermelhadas os mais radicais – de um lado ou de outro. No entanto, como dizem os do Norte, este assunto não deveria entrar na pauta de estrangeiros, sobretudo aqueles que não moram lá e cuja opinião é fruto de discussões em redes sociais ou outros meios que não aprofundam as questões históricas em torno do impasse. Tomam como intromissão e consideram de uma deselegância sem tamanho, ainda mais se estas opiniões brotam de gente cujo país de origem não é capaz nem mesmo de resolver um décimo dos problemas que tem. Naturalmente, brasileiros podem vestir a carapuça e entender a insatisfação como recado nem sempre dado às claras. Eles, os espanhóis, também são do tipo que acredita que, até para entendedores de inteligência mediana, meias palavras bastam.
Sobre o delicado momento vivido pela Espanha, o diplomata e professor Luiz Felipe de Seixas Corrêa escreveu: “Há que entender e respeitar o sentimento catalão. Mas há que entender e respeitar também o imperativo nacional de união da Espanha representada por Madri e pela Coroa espanhola”. No fim das contas, todos merecem respeito e o silêncio de quem não conhece a fundo os dois lados da (H) história.