Espanha agora trata “campanhas de desinformação” como “ameaça à segurança nacional”, e defende controle
Vandeck Santiago (texto)
Stan Honda/ AFP (foto)
Imagine que você está em um ambiente fechado, repleto de adultos e crianças, as luzes apagadas, e de repente alguém começa a correr gritando o mais alto que pode: “Fogo! Fogo!”. O corredor aparentemente desesperado está mentindo, só quer provocar pânico – mas até que isso seja descoberto o pânico pode instaurar-se, e a mentira acarretar uma tragédia.
Uma campanha de desinformação, nesses tempos de internet e mídias sociais, é exatamente isso: uma – ou várias – mentira entoada a plenos pulmões, num ambiente propício a tomá-la como verdade, e destinada a provocar danos em algo ou em alguém. Não nos enganemos com o seu potencial destruidor: ela pode afetar nações inteiras, interferir em assuntos internos dos países (como eleições ou a venda de patrimônio nacional) e provocar (ou agudizar) conflitos.
Tão perigosa é que ontem a Espanha aprovou documento no qual inclui a campanha de desinformação como “ameaça à Segurança Nacional”. Salvo engano, é o primeiro país que eleva o problema a esta condição. “[o documento] A Estratégia de Segurança Nacional 2017, que substitui o vigente desde 2013, não entra em detalhes, mas traz uma nova abordagem ao lembrar que “campanhas de desinformação” não são um evento isolado, mas parte de uma estratégia planejada: a chamada guerra híbrida, que combina desde as forças convencionais até a pressão econômica ou ataques cibernéticos”, diz matéria do jornal espanhol El País.
Pode-se argumentar que a Espanha está mais sensível ao problema, em virtude dos acontecimentos pela independência da Catalunha. Mas todo país está com o flanco vulnerável a esse tipo de ação. Ela se fez presente, por exemplo, nas eleições presidenciais dos EUA, quando as notícias falsas superaram as reais em alcance, e na votação do referendo Brexit. O Brasil não é território imune ao problema, como se viu nos últimos anos, tendo diversos alvos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus familiares. Semana passada, o atingido foi o ministério da Educação: notícia falsa dizia que prefeitos e governadores haviam recebido orientação para reduzir salários de professores da educação básica de todo o país. O ministro Mendonça Filho solicitou investigação da Polícia Federal sobre o caso, condenando o fato de um site produzir “informação errada para gerar tumulto e insegurança entre os professores do Brasil”.
Há casos pontuais, como estes aqui mencionados, mas também pode haver campanhas orquestradas de fora do país. Esta é a mais perigosa, é esta que afeta a segurança nacional. Antigamente as intervenções estrangeiras se faziam com tanques e tropas; depois, sem tanques e tropas, porém com infiltrações e manipulações em parceria com grupos nacionais. Agora, Pode acontecer sem uma coisa nem outra – via internet.
No geral uma campanha de desinformação é produzida com sofisticação. Um site publica (caso real, foi na Europa): “Governo reduz imposto para muçulmanos”. O texto pode ser de uma informação completamente mentirosa, ou que tem uma parcela de verdade, porém é apresentada de forma distorcida. Lá dentro remete a links de outras publicações, que seriam a “fonte original” – dessa forma tentam ‘lavar” a notícia, dando-lhe foros de autenticidade. O sistema se retroalimenta com a ferramenta dos algoritmos, que oferecem ao leitor o conteúdo que ele costuma acessar. “O que significa que uma informação errônea, ou uma notícia falsa, surpreendente, chocante ou pensada para atrair nossos preconceitos, pode se espalhar como incêndio florestal”, diz o criador da web, o cientista britânico Tim Berners-Lee.
Eventuais fontes moderadoras não operam na mesma rapidez dessa engrenagem. É preciso instituir algum controle. As campanhas de desinformação são como fanáticos gritando “fogo!” assim que as luzes se apagam no cinema.