David Carr

David Carr é o cara do The New York Times. Melhor dizendo: é a cara do The New York Times. Tanto que no documentário Page One: Inside The New York Time, lançado em 2011 sobre os bastidores do jornal, ele dá o ar da graça e monopoliza as atenções e discussões. Tranquilo e bem articulado no filme, difícil acreditar que seja a mesma pessoa que caiu a ponto de viver nas ruas, viciado em drogas e álcool. Teve uma nova chance. Virou uma estrela do jornalismo em tempos de redes sociais e contou a sua história de danação no livro A noite da arma, lançado nos Estados Unidos em 2008. Para falar de si mesmo, usou as regras de isenção da profissão que pratica. David Carr será uma das estrelas do Festival Literária Internacional de Literatura de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro. Em entrevista à repórter do Correio Braziliense Luana Brasil, ele falou sobre a edição nacional do seu livro, sobre o futuro do jornalismo, online, mídia e poder.

Por falta de espaço, o Viver desta terça-feira não pôde publicar a entrevista na íntegra. O blog a reproduz na sua forma original abaixo. Bom para quem já é da área, quer entrar ou simplesmente admira ou critica esta profissão.

ENTREVISTA / David Carr

Por que escrever a sua história usando as ferramentas do jornalismo?
Soaria menos bobo e narcisista. Sou um repórter por natureza, então me pareceu natural investigá-la assim, mesmo se tratando da minha vida. Como eu disse no livro, de um modo geral a memória está a serviço de quem faz uso dela. Soaria mais verdadeiro se eu usasse diferentes processos. Nunca vi uma história ser melhor contada se não por forma de relatos.

Há uma possível solução para os problemas de cracolândias?
Presenciei o comércio de crack ao ar livre em São Paulo… Parecia um filme de zumbis. Foi horripilante. Mas quem somos nós para deixá-los morrer? Creio que parte do caráter que define uma sociedade civilizada é a forma com que ela lida com as minorias e os mais fracos. Muitas das pessoas que circulam pela Cracolândia não são más pessoas. Eles perderam seu caminho de uma forma lamentável, terrivelmente triste, como eu perdi. Alguns terão seu retorno, outros não. Mas ignorá-los é ser bem menos que humano.

Quais as diferenças do jornalismo brasileiro e do norte-americano?
Mesmo que conturbada, há uma indústria jornalística muito importante e imponente no Brasil. Se não estou enganado, os tabloides brasileiros, particularmente, ainda têm uma curva crescente de leitores. Já nos EUA, a inversão para o online, que cresce e se desenvolve fortemente, acabou eliminando muitos dos jornais impressos. A maior parte dos jovens nos Estados Unidos nunca gastou um segundo sequer de seu tempo com um impresso, enquanto ele ainda faz parte da realidade dos brasileiros.

Por que, como você costuma afirmar, vivemos o melhor momento para ser jornalista?
É sim um bom momento para ser jornalista, desde que você encontre trabalho. Existem mais maneiras de apurar uma matéria, mais maneiras de publicá-la, mais formas de retorno. É possível interagir com audiência online, na plataforma que ela escolher. Esta semana escrevi sobre Ev Williams, um dos criadores do Twitter, que agora tem um novo serviço chamado Medium. Além de encontrá-lo e escrever sobre, fiz um vídeo no meu iPhone , onde as pessoas podem vê-lo falando por si mesmo. Foi divertido, desgastante e emocionante.

Ainda assim, vive-se um temeroso momento de transição em que os jornais fecham, redações demitem em massa, há queda na receita de assinaturas e anúncios…
Temos que ser ágeis, vigilantes e oportunistas, mas ainda estaremos aqui quando a fumaça baixar. Estamos em um longo corredor escuro entre duas salas. Na sala atrás de nós, está o velho modelo de jornalismo e sua economia confiável. Logo adiante, temos uma nova sala, um lugar de possibilidades maravilhosas e uma quantidade considerável de perigo. Precisamos nos dar as mãos, ajudarmos uns aos outros na travessia deste caminho obscuro que temos pela frente, na busca de uma nova forma de fazer o trabalho. É um dilema clássicos dos negócios e não está restrito ao jornalismo.

Por que você afirma que disponibilizar conteúdo gratuito na internet é um tiro no pé?
A perseguição por espectadores tornou o jogo deficitário. O preço dos anúncios só cai, porque há muito conteúdo disponível, ninguém quer investir nisso. Estou convencido de que alguma participação pecuniária por parte do público é fundamental para um modelo de dispersão de informação de qualidade. As pessoas pagam por aplicativos de celular que lhes são úteis e nós, jornalistas, precisamos pensar que fazemos um aplicativo para a vida cotidiana, que precisa ser útil e relevante até o último minuto.

O jornalismo online decreta a falência de um texto sensual e uma apuração acurada?
Acho que o trabalho online pode ser muito sexy e sensual. A matéria que fiz sobre o Medium sugere que existem formas de processamento de texto na web que são bonitos e podem se adaptar a uma leitura extensa e profunda. Acho que a versão atual do New York Times oferece um exemplo de como a relação entre a web e o impresso pode ser tecida, gerando um produto atraente e pelo qual as pessoas estão dispostas a pagar.

Como mídia e poder têm se relacionado nos últimos tempos?
Como jornais tornaram-se cada vez menos rentáveis, tem havido um retorno ao tempo em que os ricos e poderosos se apropriam dos meios de comunicação não por razões de mercado, mas por uma motivação de negócios. Os meios de comunicação são usados para projetar uma agenda de negócios. Nos Estados Unidos, há uma enorme consolidação dos serviços de tevê a cabo e banda larga, isso significa que grande parte do acesso à informação e à programação está concentrada nas mãos de poucos.

Isso é bom?
Empresas com muitos recursos exercem uma influência desmedida sobre os mecanismos que supostamente deveriam regulá-las, como a mídia. Então há um grande perigo de que a era da banda larga seja controlada pelos poderosos. É trabalho do governo estabelecer o equilíbrio e não ser um facilitador desse tipo de poder.