Na carpintaria do escrever, Roberto Arlt é um móvel rústico, daqueles que por mais envernizado que pareça, sempre solta farpas. Um argentino marrento forjado no linguajar de rua. Sete vezes louco. Jornalista. Que em 1930 embarcou para o Rio de Janeiro com a missão de escrever crônicas para o jornal El Mundo. Sopa no mel. Avisou aos leitores que não ia procurar seus ilustres companheiros de letras brasileiros, autoridade nenhuma. Queria mesmo era se misturar com o povão. Dois ternos na mala, um deles bufento para as incursões nos morros e periferia cariocas. Foram dois meses e 39 crônicas. A volta a Buenos Aires foi antecipada quando ele recebeu a notícia de que havia abiscoitado um prêmio pelo seu romance Os sete loucos. Seria um escritor. Somente agora – quer dizer, no ano passado – que a temporada no Rio de Arlt ganhou versão brasileira. Águas-fortes cariocas mostra como o processo de encantamento do argentino com o nosso estilo de vida logo se transformou em emputecimento total. Éramos conformados demais, dormíamos muito cedo, não líamos, não protestávamos. Nesta época de Copa do Mundo, em que os argentinos invadirão o Rio de Janeiro, ler Arlt é reconhecer que nas letras eles até que batem um bolão.
* Os brasileiros são diferentes de nós?
Sim, são diferentes no seguinte: têm uma educação tradicional. São educados, não na aparência ou na forma, mas têm a alma educada. São mais corteses que nós, e só se pode compreender o sentido verdadeiro da cortesia pela sensação de repouso recebida por nossos sentidos. É como se de repente o leitor, acostumado a dormir sobre paralelepípedos, se deitasse em um colchão.
* Busco inutilmente uma definição da cidade do Rio de Janeiro. Porque o Rio é uma cidade, isto não se discute; mas uma cidade de província com uma triste paz em suas ruas mortas no domingo.
* Os que vivem mal não se dão conta disso, aceitam sua situação com a mesma resignação de um maometano; e eu não sou maometano. Alguns me dizem que a culpa é dos negros; outros, dos portugueses, e eu acho que a culpa é de todos. Em nosso país havia negros, e havia de tudo, e a civilização segue a sua marcha. Não entendo por “civilização” a superabundância de fábricas. Por “civilização” entendo uma preocupação cultural coletiva. E em nosso país isto existe, ainda que em forma rudimentar.
* Todas as redações de todos os jornais do mundo são iguais. Rapazes que escrevem com uma incompetência maravilhosa e que dissertam, fumando um charuto vagabundo, sobre o futuro do universo. Todas as redações do mundo são iguais. Gente que olha com ódio uma lauda que, para ser terminada, exige mais dez minutos de escrevinhação, e redatores que sorriem semientediados escutando um senhor de costeletas que trata de complicar a vida deles com a revelação de um assunto sensacional. E, no entanto, a gente se diverte na maldita profissão. Se diverte porque só nos confessionários se escuta o que também se escuta nas redações.
Em tempo: Água-forte é um tipo de gravura feita por ação corrosiva do ácido nítrico sobre uma placa de metal. Sugestão do editor argentino. Mais adequado, impossível.