A engenheira (elétrica e agrônoma) Urbânia Carvalho teve o intestino perfurado em uma cirurgia e faleceu aos 47 anos, em outubro de 2012. A família resolveu transformar a dor em bandeira de luta e enxergou nas redes sociais a primeira trincheira contra novos erros médicos. Texto do Em Foco desta quarta-feira, por Luce Pereira.
O erro que custa vidas
Há 28 mil médicos transformados em réus, no país, de acordo com levantamento feito por um advogado, entre 2000 e 2012
Luce Pereira
A mídia, aqui e acolá, traz à tona um caso de erro médico, o que poderia sugerir que eles acontecem pouco no Brasil. Mas, não se engane. Apesar de estes números serem escondidos pelo silêncio dos conselhos de medicina nos vários níveis e de processos correrem em segredo de Justiça, já existem 28 mil médicos transformados em réus, no país, segundo levantamento feito no período de 2000 a 2012 pelo advogado Raul Canal, especialista no assunto. Isto, é claro, porque não resta mais nada às famílias que perderam um ente querido por negligência, imperícia ou imprudência desses profissionais senão buscar o consolo de vê-los minimamente punidos, o que significa apenas desembolso financeiro com fins de indenização.
Mas o que representa dinheiro diante da certeza de que uma vida poderia ser poupada, se o profissional se comportasse segundo o juramento feito na conclusão do curso? De fato, apenas um consolo, quando parentes e a sociedade o que esperam mesmo é uma lição com o rigor da lei, única forma de conseguir dos trabalhadores da área de saúde, de um modo geral, a devida atenção, comprometimento e respeito com aqueles entregues aos seus cuidados. Isto sem entrar no mérito das condições para o exercício da profissão, especialmente a sempre alegada jornada de trabalho, porque não está dito em nenhum momento da carreira de cada um que o bom cumprimento dela ficará atrelado a esta ou aquela circunstância.
E porque este entendimento é geral, os poucos casos de erro médico trazidos pela imprensa (eles cresceram de 4% para 7%, nos últimos anos) costumam repercutir com a força de escândalo entre os habitantes. Provocam indignação geral, como foi o caso da idosa atendida em um posto de saúde do Rio de Janeiro, em 2012, que recebeu na veia, em lugar de soro, café com leite. E como não protestar diante de relatos de instrumentos ou material cirúrgico esquecidos no corpo de pacientes, enquanto outras pessoas perdem a vida em cirurgias simples, porque tiveram parte importante do organismo perfurada? Caso da engenheira (elétrica e agrônoma) Urbânia Carvalho.
Era outubro de 2012 e a família estava longe de imaginar que uma simples cirurgia de mioma transformaria aquele ano num dos mais tristes de suas vidas. Urbânia, que deveria ter retomado normal e imediatamente a vida, sofreu perfuração no intestino e veio a falecer, aos 47 anos. A diferença entre este e centenas de outros casos que ocorrem no país é que a família resolveu transformar a dor em bandeira de luta e enxergou nas redes sociais a primeira trincheira.
Lançou uma campanha em busca de assinaturas para conseguir, junto ao TJPE, a criação de Vara especializada em ações judiciais contra erros desta natureza. Além disso, ontem, inaugurou a Associação das Vítimas de Erro Médico do Estado de Pernambuco (Asvem-PE), com o lançamento de uma cartilha para orientar à população sobre como fugir desta ameaça, diminuindo as chances de enfrentá-la. E para não deixar dúvidas sobre o tamanho do sofrimento vivido pelos que sentem a mesma dor, estreou com um blog (www.asvem-pe.blogspot.com. br) onde lista ocorrências semelhantes. Ao menos um aspecto é comum a todas elas – a humilhação da impunidade, porque as condenações, quando acontecem, doem apenas no bolso – não mandam os réus para a cadeia.
E novamente a pergunta: o que significa dinheiro diante da certeza de que uma vida poderia ser poupada, se houvesse o devido cuidado de profissionais da área de saúde com ela? Cem pessoas que já aderiram à Associação, além de ter a resposta, agora também têm uma trincheira. E a luta, além de urgente, é legítima.