Em Foco 2308 vale esta

Em Roda de Fogo, comunidade da Zona Oeste do Recife, a morte do ex-governador Eduardo Campos foi sentida com mais impacto. O então candidato à Presidência da República era como se fosse alguém da família, o homem que entregou 400 escrituras de terra definitivas aos moradores. A cabeleireira Osana Santiago chorou. Sua história foi contada pela repórter especial Silvia Bessa no Em Foco do Diario de Pernambuco de sábado.

E agora, Osana?

Nas comunidades da base eleitoral de Eduardo Campos, a exemplo de Roda de Fogo, o clima é de dúvidas e incertezas  quanto ao futuro

Silvia Bessa

A sala da residência da cabeleireira e liderança comunitária Osana Santiago ficou superlotada nas horas que sucederam a notícia da morte do ex-governador Eduardo Campos. Os vizinhos de Roda de Fogo, Zona Oeste do Recife, estavam atônitos. Uma amiga, Mary de Lima, de 58 anos, até febre emocional sentiu. Outra sofreu crise de nervos; vários reclamaram da pressão arterial elevada. A pergunta que mais se ouvia na casa de cerâmica verde era: “E agora, Osana?”. Osana diz que mais parecia a mulher de Eduardo, com a obrigação de ser forte diante da dor sentida pela sua própria família. “Eduardo era para nós como se fosse o último fio da corda onde podíamos nos agarrar em alto-mar”, definiu. O nós a que Osana Santiago se referiu significa Roda de Fogo.
Hoje Roda de Fogo é o espelho do pós-morte vivido pelas bases eleitorais mais pobres e fiéis ligados ao ex-governador na Região Metropolitana do estado.
“Aqui o clima é de preocupação e incerteza. Como será daqui para frente? quem vai apoiar nossas futuras lutas e vibrar com nossas conquistas?”, questionou Osana, falando sob forte emoção oito dias após a explosão do avião que acabou por vitimar Eduardo Campos em plena campanha presidencial. A história de Eduardo Campos e de Roda de Fogo parecem se entrelaçar. Teve começo, quando ele andava na década de 1980 ainda menino pelo terreno baldio; meio, quando Eduardo fazia campanha para majoritária em 2006; e fim, no início de 2014, exatamente um mês antes de ele renunciar ao cargo de governador, num ato em que Eduardo foi aplaudido por populares quando entregava 400 escrituras de terra definitivas aos moradores.
Claro, nem Eduardo nem a comunidade sabiam que aquele evento burocrático na Escola Pintor Lauro Villares simbolizaria o último encontro entre eles. Na solenidade Eduardo dizia o seguinte: “Aqui estamos fechando um ciclo de muita luta desses cidadãos que ajudaram a construir o Recife”. Ele falava ao Recife que viu sendo moldado e que lhe ajudou a se eleger governador nas eleições de 2006. “Roda de Fogo é um exemplo de uma população que luta pelo direito à moradia desse país”, afirmou o então secretário das Cidades de Pernambuco, Danilo Cabral, no evento. Eduardo concordava balançando a cabeça.
O embrião de Roda de Fogo foi gerado no Sítio dos Palmeiras, outra invasão que se consolidou com o apoio do ex-governador e avô de Eduardo, Miguel Arraes. Filhos dos moradores do Sítio das Palmeiras também sem moradia invadiram um terreno de 60 hectares no bairro dos Torrões, ergueram os primeiros barracos e, em 1987, fundaram Roda de Fogo. Osana lembra de Eduardo adolescente andando pela comunidade. E guarda fotos dele, na juventude, ao lado do avô. A primeira candidatura daquele que a população de Roda de Fogo (que um dia foi favela) viu crescer veio depois – em 1990.
A família Arraes sempre foi vista como aliada pelos veteranos de Roda de Fogo. “Com eles, sempre pudemos contar”, garante Osana. “Arraes ficou do nosso lado e agradecemos todos os dias por isso”, contou Manoel Medeiros, um aposentado de 72 anos. Supõe-se que o PSB, partido gerido nacionalmente por Eduardo até a morte dele no dia 13 de agosto passado, via Roda de Fogo da mesma forma porque a primeira caminhada do candidato ao governo da Frente Popular, Paulo Câmara (PSB), aconteceu justamente na comunidade.
Nela, a casa de Osana era quase um quartel-general da campanha presidencial de Eduardo. No dia em que a reportagem a visitou, bandeiras repousavam sobre o jardim, como se à espera das definições políticas sobre a campanha do PSB. “Não sabemos como será o futuro. A homenagem que a gente fará será dando seguimento ao trabalho que fazíamos e que ele apoiava”, informou Osana Santiago, pesarosa.
“Não será fácil porque ficamos órfãos. Eduardo era como um pai para gente. Ficamos como crianças pequenas sem pai, cheias de dúvidas sobre o futuro”, teorizou a cabeleireira, mais uma vez falando sobre futuro – esse intervalo de tempo diante do qual todo sujeito enlutado sente maior inquietação.