E o cangaço voltou a ser notícia. Desta vez com a liberação do livro Lampião, o Mata Sete, do juiz aposentado Pedro de Morais, que revela em 306 páginas uma suposta homossexualidade de Virgulino Ferreira, o famoso bandoleiro. Há três anos o escritor sergipano brigava com Vera Ferreira, neta de Lampião, pelo direito de lançar a obra. A decisão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE) pode abrir um precedente no Brasil para autores que estão com biografias paradas na Justiça. Pedro Morais espera vender mais de dez mil exemplares de sua obra, cuja tese principal é contestada pelos principais pesquisadores deste fenômeno histórico nordestino.
Enquanto a polêmica ocupava desembargadores, a vida real cobrava seu preço para quem gastou a juventude na época do cangaço. No povoado de São José, em Chorrochó, na Bahia, faleceu na segunda-feira, aos 96 anos, Teófilo Pires do Nascimento, ex-soldado de volante. Em 1998, ele deu seu depoimento para a série de cadernos especiais que produzi para o Diario de Pernambuco sobre o cangaço. Teófilo, um simpático senhor que mais escutava do que falava, contou como matou o cangaceiro Pedro Calais, famoso por suas maldades no sertão baiano. O episódio foi narrado assim.
Teófilo Pires do Nascimento resolveu ser volante aos 14 anos de idade, em 1933. “Cheguei e disse: ‘meu pai, quero me alistar. Se não deixar, me encosto com Lampião'”, conta. No tempo em que serviu na polícia, não chegou a perseguir o principal cangaceiro, que andava muito pouco pela região de sua guarnição. Pelo menos um cangaceiro foi vítima de seu mosquetão. “Chamava-se Calais e estava desgarrado do grupo. Encontramos o rastro dele depois de seis dias de busca. O rastejador ficou com medo de emboscada e segui em frente. Vi que Calais estava cavando uma raiz de umbu para pegar água. Cada vez que ele baixava o cavador, eu dava um pulo para me aproximar. Quando estava a onze passos de distância ele percebeu, mas puxei o gatilho e vi seu baque”, narrou, fazendo o gesto do disparo. Teófilo deu baixa em julho de 1938. Mora no povoado de São José, distrito de Chorrochó, a 527 quilômetros de Salvador.
Do grupo de soldados de volantes e cangaceiros que figuraram na página dupla do último caderno especial sobre o cangaço, praticamente todos morreram. Ficaram para sempre os testemunhos de Manuel Dantas Loyola, o Candeeiro; do nazareno João Gomes de Lira; de Geminiano Luís Sarmento, o Cabo Grilo, que disse ter visto o corpo de Maria Bonita desnudo; de Manuel Cavalcanti de Souza, o Neco de Pautília, que encontrou o seu amor enquanto enfrentava os cangaceiros; de Antônio Vieira da Silva, que de pijama elogiou a coragem do seu chefe de volante, Chico Ferreira; de Elias Marques de Alencar, que de Angicos só levou ilhoses do espólio dos cangaceiros caídos. E de Teófilo, a quem agradeço aqui e agora.