Por Filipe Falcão*
Existe um longo caminho entre pensar uma pauta e vê-la publicada. No momento da pré-produção, levantamos dados e pensamos em qual formato a história deve ter. No caso de uma videorreportagem, questões de linguagem e da estética são de grande importância para que o resultado final seja harmonioso. No entanto, mesmo os jornalistas mais experientes não podem prever como a pauta vai se desenrolar no momento da gravação. E em alguns casos, a lei de Murphy parece ser bastante cruel. Se existe a possibilidade de algo dar errado, tenha certeza de que vai dar.
Depois de muitos e-mails e ligações, finalmente consegui marcar a pauta, mas com muitas restrições. Não poderíamos mostrar o processo de maquiagem e nem entrar nos bastidores. Passado o sentimento de frustração, pensei que faz parte da atividade jornalística ter sempre um plano B ou C. Dependendo da pauta, ter um alfabeto inteiro de planos pode ajudar. Se seu professor não te ensinou isso é porque ele nunca trabalhou em jornal.
Chegamos ao parque. Antes de ligar a câmera, eu sempre faço uma apuração inicial até para saber exatamente o que perguntar na hora da gravação. A boa notícia é que os dois personagens falavam muito bem. Ou seja, eu não teria problema, certo? Errado. Bastou ligar a câmera para o primeiro entrevistado ficar literalmente monossilábico. A entrevista seguiu mais ou menos desta forma.
P: Como é trabalhar assustando as pessoas?
R: É bom.
P: Como é sua rotina aqui?
R: Dinâmica.
P: Você sofre algum preconceito por trabalhar como monstro?
R: Sim.
Para piorar a situação, eu tinha exatos três minutos para gravar, pois o entrevistado iria entrar em cena e não poderia atrasar. Foi um verdadeiro pesadelo gravar em um local sem uma boa iluminação e com a chefe dos monstros em pé ao meu lado lembrando que eu tinha dois minutos, um minuto, 30 segundos… Eu comecei então a força-lo a dar detalhes para as respostas com vários “fale mais”, “me diga exemplos”, “mas por qual motivo você gosta”.
Eis que nosso tempo terminou. E eu já pensando como provavelmente teria que juntar uma resposta com a outra na edição para conseguir, com sorte, pelo menos 30 segundos de sonora. Isto não significa mudar o que o personagem falou, mas sim, dar forma para um padrão de videorreportagem. As respostas monossilábicas dele funcionariam para o texto, mas não para o vídeo. Assim, a edição teria que me salvar.
Fomos então para a entrevista com o segundo monstro. Este falava muito bem com a câmera ligada, mas o problema foi outro e bem mais grave. Encontrar um lugar para captação das imagens nem sempre é tarefa fácil. O ambiente precisa ser de acordo com a temática, não pode ser escuro, nem muito claro ou um lugar barulhento. Fui então informado que a entrevista seria em uma sala. O local parecia na verdade um depósito com várias cadeiras guardadas uma em cima da outra e três mesas de escritório com pessoas trabalhando.
Aquilo não poderia ficar pior. Claro que poderia, já que tínhamos contra nós o fator tempo. Eu então perguntei se não havia nenhum banheiro com espelho, onde através de um ângulo fechado, eu poderia simular (com muita boa vontade) um camarim. Me levaram para o vestiário do parque. Eu não vi nenhum espelho, mas um monte de homem tomando banho… Eu pensei como aquela pauta não poderia dar certo nunca. Isso não era mais um balde, mas sim uma cachoeira de água fria.
Até que encontramos uma parede branca e uma cabeça gigante de coelho e fizemos deste o nosso cenário. E como todo bom filme de terror, o melhor (ou seria o pior) ainda estaria por vir. Eu precisava fazer imagens da montanha-russa. Fui até o brinquedo e sentei no primeiro carrinho para ter um bom ângulo. No entanto, eu ficava pensando a cada segundo que eu estava com uma câmera caríssima nas mãos e que a mesma poderia simplesmente sair voando em algum looping. Caso isso acontecesse, eu acho que nem voltaria ao jornal e pediria logo emprego de monstro lá no parque.
Eis que o carrinho começa a andar, aperto o botão para gravar e seguro com muita força a câmera. Quando o carrinho ganhou mais velocidade, segurei com mais força ainda. Aquela câmera não poderia sair voando. Eu só pensava em manter meu emprego e segurava cada vez com mais força. Ao final do percurso, já meio tonto, olhei aliviado para a câmera já querendo ver o material gravado. Teve balde de água fria desta vez? Claro que sim. Já no primeiro looping eu bati no botão e parei de gravar… Eu fiquei com tanta raiva que me levantei e fui embora. Não apenas da montanha-russa, mas do parque. Não queria mais saber de monstros, de brinquedos, de pauta.
Voltei para o jornal e descarreguei o material. Aliás, pedi para descarregarem e fui embora. Estava cansado, fisicamente e mentalmente. Eu havia pensado naquela pauta com tanto carinho e tudo, absolutamente tudo tinha dado errado.
No dia seguinte, comecei a olhar as imagens. E foi quando percebi aquilo que sempre digo para meus alunos. Não existe filme mal gravado, existe filme mal editado. E neste caso, a edição iria me salvar. Levei dois dias, tive ajuda do colega Rafael Marinho, que também produziu as imagens, e através de cada corte, fui construindo o vídeo. Lembram da sonora do primeiro entrevistado? Ao final da montagem eu percebi que utilizei seis takes diferentes para criar uma única sonora. O tempo desta sonora foi de 30 segundos. E ao final, deu tudo certo. Até surgir uma ideia para uma próxima pauta.
* Filipe Falcão é repórter de multimídia do Diario de Pernambuco