Manoel de Carvalho, um republicano
Ele foi conselheiro do governo revolucionário de 1817, além de presidente de Pernambuco e principal líder da Confederação do Equador, em 1824
Manoel de Carvalho Paes de Andrade foi um dos seis conselheiros do governo republicano de Pernambuco, em 1817, e acompanhou de perto o dilema do general Domingos Teotônio nos últimos dias da Revolução. Com os portos bloqueados por uma esquadra portuguesa e um exército inimigo avançando pelo sul, Teotônio — que estava, então, no comando — se viu obrigado a fazer uma escolha dificílima: ou abaixar as armas, como queriam uns, ou retirar-se do Recife e prosseguir com a luta no interior, como queriam outros.
Sete anos depois, como presidente da província e líder da Confederação do Equador, Manoel de Carvalho enfrentou o mesmo impasse. Com as naus do almirante inglês Thomas Cochrane impedindo a navegação e as tropas do brigadeiro Francisco de Lima e Silva prestes a invadir o Recife, ele deveria render-se com honras, como lhe propôs o comandante do bloqueio naval, ou continuar pelejando pelo sertão adentro, como queria Frei Caneca?
Então ele pensou, pensou, pensou e fez a sua escolha…
PELA DEMOCRACIA
Rico proprietário, filho de uma tradicional família pernambucana, e membro da maçonaria, como a maioria dos homens esclarecidos da sua época, Manoel de Carvalho foi um radical defensor do republicanismo, em 1817. E um dos poucos líderes revolucionários que conseguiram escapar da morte ou da prisão. Ele se escondeu nas matas do seu Engenho Santana, em Jaboatão, até conseguir embarcar clandestinamente para os Estados Unidos, de onde retornou após a anistia, em 1821. E já em outubro daquele ano participou do movimento constitucionalista que expulsou o governador português Luís do Rego e implantou um governo autônomo em Pernambuco, a chamada “Junta de Goiana”, presidida por Gervásio Pires.
Então, o Brasil tornou-se independente, em setembro de 1822. E, em dezembro, no vai e vem da política, aquela junta foi derrubada e trocada por outra, a “dos Matutos”, sob a chefia de Francisco Gomes dos Santos. Que, um ano depois, foi substituída por uma terceira, dessa vez com Manoel na presidência. Aí começou a encrenca, pois o imperador D. Pedro I não aprovou a escolha do seu nome para ocupar aquele posto.
Usando uma prerrogativa concedida pela Assembleia Constituinte — formada por deputados de todo o País e reunida no Rio de Janeiro, em maio de 1823 —, Sua Majestade nomeou o morgado (herdeiro) do Cabo, Francisco Paes Barreto, para presidir Pernambuco. Mas os pernambucanos não estavam dispostos a voltar aos tempos em que o senhor rei mandava e desmandava, e não acataram essa intromissão nos seus assuntos internos.
Aquele gesto, porém, não resultou no rompimento com o Império. Uma monarquia constitucional ainda parecia ser a melhor opção. Até Frei Caneca havia posto de lado os ideais de 1817. “Quisemos uma república”, ele escreveu no seu jornal, “por ser a maneira de nos livrarmos da escravidão em que gemíamos. Mudaram, porém, as circunstâncias; achamos outro meio de ser felizes; e não há razão para pretendermos a execução daquele plano”. Ainda havia esperança de que seria encontrado um modelo político que satisfizesse a todos. Mesmo sabendo que o imperador vinha prendendo políticos liberais, proibindo a circulação de jornais e fechando lojas maçônicas, o que não anunciava nada de bom para o futuro da democracia no Brasil.
Aí, a bomba explodiu. Em novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Constituinte pela força das armas e formou um conselho, sob sua chefia, para elaborar uma carta magna para o Brasil.
Aí, a bomba explodiu. Em novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Constituinte pela força das armas e formou um conselho para elaborar uma carta magna “digna de mim”, para a jovem nação.
O BLOQUEIO
Revoltados, os pernambucanos, que “não haviam penado tanto para, no final, arrastarem os grilhões forjados por uns paulistas (José Bonifácio de Andrada e seus irmãos) e quatro peões do rei”, nas palavras de Frei Caneca, confirmaram a presidência de Manoel de Carvalho, em janeiro de 1824. Em resposta, D. Pedro mandou para cá uma esquadrilha comandada pelo capitão inglês John Taylor, com a missão de assegurar a posse do morgado do Cabo. E os portos da província foram bloqueados.
Com os canhões dessas naus apontando para o Recife, o imperador ainda teve o desplante de enviar, em março, o texto da constituição encomendada por ele. Queria que o documento fosse aqui aprovado e jurado, como estava ocorrendo no resto do País. O que foi recusado, naturalmente.
Em junho, contudo, para surpresa e alegria geral, a esquadrilha de Taylor voltou para o Rio de Janeiro. Mas a animação durou pouco. Ela acabou quando se soube que o inglês fora chamado às pressas devido ao risco iminente de invasão do Brasil por um exército português. E a revolta cresceu ainda mais. Ora, estando todo o País ameaçado, o imperador cuidava de proteger apenas a Corte, deixando as outras províncias abandonadas?
Esse vai e vem das naus imperiais serviu, então, de estopim para mais um levante na região.
Um projeto político à moda norte-americana
Imediatamente surgiu a suspeita, quase a certeza, de que havia um acordo entre D. Pedro I e o pai dele, D. João VI, para que o norte do Brasil fosse entregue a Portugal em troca do reconhecimento da independência do sul. E, no dia três de julho de 1824, Manoel de Carvalho lançou um “manifesto e proclamação”, propondo a formação de uma confederação que reunisse todas as províncias brasileiras em torno de um projeto democrático e republicano. Só assim, segundo ele, se salvariam a liberdade, a honra e a soberania da Pátria, ameaçadas pelo imperador.
A monarquia, para Manoel, seria um sistema defeituoso na origem, e o Brasil deveria se constituir como nação seguindo as novas ideias do século, não copiando o velho modelo aristocrático europeu. Assim como nos Estados Unidos, onde treze colônias se uniram numa grande federação, cada província brasileira, livre, se tornaria um anel de uma cadeia invencível. E os sulistas deveriam imitar os valentes de Pernambuco, da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte, que já estavam formando governos sob “o melhor de todos os sistemas”, o republicano.
A ameaça de invasão portuguesa, porém, logo se desfez, e o imperador voltou suas atenções para aquela rebelião. Além de tirar de Pernambuco a comarca do São Francisco, como castigo, ele enviou para cá outra esquadrilha e uma poderosa força terrestre.
No dia 12 de setembro de 1824, a Confederação do Equador agonizava. Das províncias aliadas, a Paraíba e o Rio Grande do Norte já haviam capitulado. Apenas o Ceará resistia. E as tropas imperiais, desembarcadas em Alagoas, estavam a ponto de invadir o Recife. Então, o presidente Manoel de Carvalho tomou, enfim, sua decisão: ele se refugiou com a família na corveta inglesa “Tweed”, e partiu novamente para o exílio.
Dessa vez ele foi para a Inglaterra, onde ficou até a abdicação de D. Pedro I, em 1831. Então voltou e retomou sua carreira política, presidindo novamente Pernambuco, em 1834, e depois se elegendo deputado geral (federal) e senador, até morrer ocupando esse posto, no Rio de Janeiro, em 1855.
Pernambuco esquartejado
Quando esta capitania foi criada, em 1534, o rei D. João III determinou que os seus limites fossem a ilha de Itamaracá, ao norte, e o rio São Francisco, ao sul, avançando pelo interior até a linha do Tratado de Tordesilhas. Não se sabia, na época, que o grande rio curvava para a esquerda, pouco antes da foz. Por isso, todas as terras à sua direita (no sentido foz/nascente), a chamada Comarca do São Francisco, com 133 mil quilômetros quadrados, foram pernambucanas, até D. Pedro I as transferir para Minas Gerais, em 1824, e depois para a Bahia, em 1827, como punição pela Confederação do Equador. Tal como o pai dele, D. João VI, havia dado autonomia à comarca de Alagoas, com 28 mil quilômetros quadrados, após a Revolução de 1817. Devido ao seu espírito democrático, portanto, os pernambucanos perderam 62% do seu território, passando dos 261 mil quilômetros quadrados originais para os 98 mil atuais.
O preço do inglês
Antes de capitular, Manoel de Carvalho ainda tentou subornar o almirante Cochrane, um mercenário a soldo do imperador. Chegou a oferecer 400 contos de réis, uma verdadeira fortuna, considerando que esse dinheiro, na época, era suficiente para adquirir uns dez bons navios. Mas o inglês pediu dois milhões e o negócio não pôde ser fechado.