Foto: Willian Dias

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Por Victor Correia/Correio Braziliense

Em entrevista ao Correio Braziliense, o candidato à Presidência da República Léo Péricles (UP) afirmou que a discussão sobre a população negra ocorre muito “en passant” na corrida presidencial deste ano e criticou a falta de convite para participar no primeiro debate entre os candidatos ao Planalto, realizado pela TV Band. Durante a realização do programa, em agosto, inclusive, o presidenciável fez um protesto em frente à emissora.

Péricles é candidato pelo partido Unidade Popular, registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2019. Segundo o presidenciável, sua candidatura é baseada no tripé “antirracista, antifascista e anticapitalista”, e traz medidas voltadas para melhorar a qualidade de vida da população mais pobre, como a realização de uma reforma agrária.

Confira a entrevista abaixo:

Quais propostas a sua candidatura traz em relação à população negra do Brasil?

Primeiro ela é uma candidatura antirracista. Tem 92 anos que teve o último homem negro, de esquerda, trabalhador, de periferia, candidato a presidente. O último foi em 1930, o Minervino Oliveira, pelo Bloco Operário e Camponês (BOC). É a primeira vez na história que tem uma chapa 100% negra. A nossa vice é a Samara [Martins], companheira lá do Rio Grande do Norte, Natal. É uma chapa que levanta bandeiras importantíssimas do ponto de vista da reparação ao povo negro.

Na nossa opinião, as cotas devem ser mantidas. Elas são um processo de transição até que se garanta o livre acesso de todo o povo à universidade pública, que é uma das defesas que nós fazemos. Dentro das políticas de reparação está ainda a questão da terra. Ou seja, a reforma agrária e urbana, duas grandes reformas estruturais que atendem a toda a população. Mas, se você focar na população negra, que é a maioria, você vai beneficiar todo mundo. Nós tivemos uma lei de terras de 1850 que nunca foi revisada e que impediu o povo negro de ter terras. De lá para cá, tivemos um desastre em relação ao povo negro que é relegado a morar nos guetos, nos piores lugares, que sofre a violência dos latifundiários e do agronegócio. Então, nós precisamos mexer nessa estrutura, além do que, sem uma profunda reforma agrária, a gente não pode eliminar a fome no país.

Além disso, [defendemos] o direito à memória, verdade e justiça, que seria a punição dos assassinos e torturadores e a reparação do ponto de vista de contar a história desde a escravidão aos dias atuais. Nós estamos em um país que ainda tem estátuas que homenageiam escravocratas e assassinos de indígenas e de negros. Nós temos um país que passou por duas ditaduras militares no século XX, onde não houve punição dos agentes que praticaram tortura e assassinatos. Esse Brilhante Ustra que o [Jair] Bolsonaro gosta de elogiar era do setor mais duro da ditadura que foi extremamente fascista e assassino, inclusive que torturou até crianças. É necessário fazer a justiça de transição. O único país da América do Sul que não fez isso é o Brasil. O resultado é ter um pró-torturador presidente da República, os generais tramando golpe.

Como você enxerga as falas antidemocráticas do atual presidente sobre as urnas eletrônicas?

Nós entendemos que a prioridade central agora, para que as eleições tenham garantia, é mobilizar o povo para ocupar as ruas do Brasil. O problema que nós consideramos no Brasil não é a urna eletrônica, como diz Bolsonaro, é o alto comando das Forças Armadas. Nós, inclusive, entendemos que as urnas eletrônicas são muito boas e elas não têm que ser usadas só de dois em dois anos. Um mecanismo que permite que você tenha o resultado em três horas, com 157 milhões de pessoas votando, na nossa opinião tem que ser um instrumento usado para ampliar a democracia, para as pessoas poderem decidir não só votar de dois em dois anos nos candidatos, mas decidir todo o orçamento, através de plebiscitos, e revogar leis que foram aprovadas contra a maioria do povo, a exemplo dos referendos revogatórios.
Na nossa avaliação, depois do golpe institucional de 2016 que depôs a presidente Dilma [Rousseff] — a quem nós tínhamos muitas críticas, mas foi um golpe —, várias legislações corroboram e ampliam esse golpe institucional. Uma delas é a cláusula de barreira, de 2015. A reforma trabalhista foi uma das maiores enganações da nossa história, porque disseram que iria gerar emprego e o resultado foi desemprego e precarização. Diria ainda a emenda constitucional 95, que congelou o investimento em saúde e educação por 20 anos. Quem perde com isso somos nós, trabalhadores e trabalhadoras que usam o SUS e a educação pública, e é preciso revogar essas medidas. Quem mantém isso é uma minoria do Centrão, esses partidos neoliberais, de direita, contra o povo, e os patrões desses partidos são os banqueiros, os muito ricos desse Brasil.

Por fim, nossa candidatura é anticapitalista. Entendemos também que é preciso superar esse sistema. O capitalismo trouxe fome e miséria, é um sistema que opera de forma permanente em cima da desigualdade, da superexploração, e isso não traz nada de bom para o povo. Nós temos que superar esse sistema, sabendo que no processo eleitoral não é esse o objetivo central, mas entendemos que a nossa participação é no sentido de enfraquecer o capitalismo no Brasil e fortalecer as ideias socialistas que precisam ser majoritárias. E o que significa o socialismo, na nossa opinião, é que os interesses da imensa maioria da população prevaleçam.

O debate sobre a população negra está presente nas eleições presidenciais deste ano?

Esse ponto passa muito en passant pelas candidaturas, de forma extremamente secundária, até porque mexer nesse problema significa enfrentar setores que mandam e desmandam no Brasil, que impuseram um modo de operar que são as chacinas, as polícias extremamente militarizadas, que inclui uma grande violência contra o povo pobre, sobretudo nas periferias. É uma forma de operar inclusive que é até semelhante a um estado de exceção, porque é um tipo de ação que o Estado democrático de direito pouco chegou nessas regiões. Então, imperam posturas ditatoriais, são entulhos do período da ditadura que permanecem. Mexer nessas estruturas significa mexer no modo de operar de 522 anos, digamos assim, no Brasil. É necessário acertar contas com o passado porque, se a gente não fizer isso, o Brasil fica inconcluso e o resultado é esse país dependente que a gente vive. Nossa candidatura se orgulha de levantar a bandeira que o povo que hoje é explorado precisa mandar no Brasil como nunca mandou.
Nós [fizemos] 200 anos da independência, mas uma que não atendeu a maioria. A maioria do povo já era negra. Houve a independência e só 66 anos depois houve a abolição. Formal, porque foi uma abolição da escravidão sem direitos. Nós estamos falando de um programa que volte o país para o seu próprio povo. Falei da fome, estou falando do emprego, estou falando da indústria, falando da ciência e tecnologia. Precisamos voltar o Brasil para o povo brasileiro, e, para isso, é preciso ter uma ruptura com esses que mandam há 522 anos.

Nós tivemos o primeiro debate entre candidatos à Presidência. Como você avalia o confronto?

Um debate daquele, que acontece com o atual presidente que está pregando o golpe, não respeitar o resultado das urnas, articulando com o alto comando das Forças Armadas e com grandes empresários, e ninguém falar sobre isso, eu acho que é um absurdo. É conciliar com uma situação inconciliável. Ninguém chamá-lo de assassino, ou no mínimo genocida, também acho que é um desrespeito às quase 700 mil pessoas que morreram no período da pandemia e que não era necessário. Vários estudos mostram que era para ter morrido um terço disso, o que já era grave, qualquer número de mortes é grave, mas graças ao discurso desses fascista morreu muito mais gente no Brasil. Não fazer referência a isso eu acho que é uma desonra à memória das pessoas que se foram e que não era necessário terem ido, se ele não ficasse preocupado com propina, com vacina e nem com seus privilégios, e tivesse cuidado realmente do nosso povo.

Eu acho que foi um debate de compadres e de comadres. Não entrou nos problemas que eu mencionei. Que mudanças a gente pode esperar no Brasil respeitando esse sistema econômico, respeitando esses grandes empresários que tramam permanentemente explorar o povo? Alguém tem que botar o dedo na ferida, faltou.

O senhor não foi convidado para o debate, que teve apenas cinco candidatos. Como você enxerga essa ausência?

Esses discursos aparentemente técnicos de que na TV não dá para colocar 12 pessoas, é só olhar a campanha de 89, quando acabou a ditadura. Quantos candidatos estavam lá nos debates? Isso é ridículo. Nós estamos falando de 57 milhões de eleitores. Gaste-se, então, cinco horas com um debate. Dá para você fazer. As pessoas precisam ser esclarecidas, e eu garanto para você que, se fosse um debate com a nossa participação, pautando esses pontos que eu estou falando, a audiência iria quebrar recordes. O povo brasileiro, boa parte dele adoraria chamar o Bolsonaro de assassino na cara dele, de genocida, e ver que reação ele teria. Como todos os fascistas, um covarde, provavelmente ele sairia. Eu estou extremamente indignado por não poder participar e estamos trabalhando para ir no próximo. Isso é grave e nós não vamos concordar que se casse o nosso direito de se expressar.

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