Quatro estudantes e dois egressos do curso de direito do campus Arcoverde, Sertão do estado, da Universidade de Pernambuco (UPE) estão participando, na prática, de uma experiência pedagógica inédita de escuta de comunidades vulneráveis e levantamento de dados para embasamento de ações judiciais que já desperta o interesse de outros estados e até de outros países.

Eles integram o projeto “Ser Quilombola”, criado em maio de 2019 a partir de uma solicitação da Defensoria Pública da União (DPU) ao Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares em Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (GEPT/UPE/CNPq) e ao Grupo de Extensão Direitos em Movimento, ambos coordenados pela professora Clarissa Marques.

Em atividades remotas em 2020 por causa da pandemia da Covid-19, o grupo – que conta ainda com um mestrando em geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – manteve contato com 103 comunidades quilombolas de 41 municípios de Pernambuco, de um total de 148 certificadas pela Fundação Palmares.

Com o apoio do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da UFPE (Prodema) e que utiliza técnicas de georreferenciamento, foi elaborada uma cartografia das comunidades quilombolas pernambucanas, especificando-as em mapas por mesorregião do estado e também identificando a localização por municípios.

Foram levantados dados sobre cestas básicas, acesso à água, merenda escolar e kits de higiene. Segundo Clarissa Marques, esta ação pode ser considerada uma inovação pedagógica no estudo do Direito. Ela divide a coordenação do Ser Quilombola com o defensor público federal André Carneiro (DPU).

Durante o período de isolamento social, o grupo do Campus Arcoverde da UPE encaminhou mais de cem provocações a órgãos públicos municipais, estaduais e federais (incluindo-se Fundação Palmares e Ministério dos Direitos Humanos).

Em setembro deste ano, alunas do projeto auxiliaram a Defensoria Pública da União na redação das notas técnicas que foram encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal em razão de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

“Os dados levantados pela equipe do Ser Quilombola foram mencionados na petição que seguiu para o STF com a finalidade de provocar o Supremo na defesa dos direitos quilombolas durante a pandemia. Esse é, sem dúvida, um resultado extremamente relevante”, destaca Clarissa Marques.

A experiência será contada em um livro que terá artigos dos coordenadores, dos alunos e egressos e também artigos e depoimentos de lideranças quilombolas de Pernambuco. A intenção é divulgar ao máximo a metodologia utilizada para que possa ser aplicada em outros espaços.

Em novembro, o projeto foi apresentado, em reunião virtual, a professores e representantes do governo do México. Uma equipe da Universidade de Brasília também conheceu o Ser Quilombola, que será mostrado na próxima semana, também de forma virtual, a integrantes da Secretaria de Direitos Humanos de Minas Gerais. O convite partiu do próprio governo mineiro, que pretende que a experiência pernambucana auxilie no mapeamento das suas comunidades tradicionais.

O projeto busca fortalecer o ensino da graduação em Direito por meio de práticas de Inovação Pedagógica cujo intuito é proporcionar novas perspectivas na definição das políticas públicas de acesso à justiça.

Com a parceria da Universidade de Pernambuco, foi a primeira vez que a Defensoria Pública da União aplicou o método da escuta de comunidades tradicionais. Embora pesquisas baseadas no método “Caminhos para Justiça” já tenham sido desenvolvidas em diversos países, como Argentina, Colômbia, Austrália, jamais algo semelhante foi realizado no Brasil, o que explica o interesse despertado na comunidade acadêmica nacional e no poder público internacional.