Meninas viram moeda de troca

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Era o ano de 2002, em Chimokono, distrito próximo à Dombe, em Moçambique, C.P., aos 9 anos, acabava de ficar mocinha, vir a primeira menstruação. Não teve nem tempo para entender o que acontecia. Foi negociada pelo próprio pai por 10 mil Meticais (US$ 165 ou R$ 534,00) e entregue a um homem 15 anos mais velho. Sem a mãe, que já estava morta, desde os seus três meses de vida, ela acabou sob o poder do desconhecido. Estuprada e vítima de exploração trabalhista, a menina sobreviveu aos dias de horror. Conseguiu fugir e recomeçar uma vida nova. Desde 2014, C.P. está sob os cuidados da Fazenda da Esperança, vizinha à missão da Obra de Maria.

Antes de ser abrigada pelas missionárias, a jovem fugiu da casa do “marido” duas vezes. Ficou até os 13 anos morando com o homem que a comprou para casar. “Dormi muitas vezes no meio do mato para evitar que ele me tocasse. Preferia morrer do que ter que passar por aquela situação e fazer sexo todo dia com aquele homem”, desabafou. Na primeira vez que fugiu, voltou para casa, mas o pai a obrigou a retornar para casa do “marido”. “Eu poderia ter denunciado o meu pai, mas nunca quis. Ele achava que era o melhor para mim. Por isso, o perdoo”, diz a jovem, com lágrimas nos olhos ao lembrar do passado.

C.P. desconfia que a mãe tenha morrido envenenada por uma das duas mulheres do seu pai. Mas nunca teve certeza, uma vez que a polícia local não investigou a morte. Sua irmã mais velha teve que pagar ao pai 20 mil Meticais (US$ 334 ou R$ 1.080) para ter a liberdade para estudar. “Ela queria muito ir para escola, mas meu pai planejava vendê-la para um comerciante. Minha irmã lutou pela liberdade, juntou dinheiro trabalhando e conseguiu”, contou a moça. A irmã é membro da Fazenda da Esperança e mora atualmente na comunidade em Brasília, no Distrito Federal. Planos para o futuro, C.P. tem muitos. Pretende mesmo voltar a estudar para fazer faculdade de psicologia. Diz que quer entender a sua própria história.

A maioria dos casamentos infantis ocorre na região subsaariana da África, como aconteceu com C.P.. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas, a previsão é de que em 2020 mais de 140 milhões de jovens com menos de 18 anos se casarão em todo o mundo, 50 milhões delas com idade inferior a 15 anos. Acordos entre famílias ainda são realizados. O que ao longo prazo é uma violação dos direitos humanos, uma vez que acaba privando acesso à educação, saúde e perspectivas de vida dessas meninas.

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