Por Marcionila Teixeira

Estava uma manhã bem chuvosa quando cheguei  à Escola do Senai em Paulista, na Região Metropolitana do Recife. Era a primeira vez que visitava o espaço. Faria uma matéria rotineira, mas que me motivava pelo fato da entrevistada ser uma mulher de 30 anos com Síndrome de Down com muita garra para conquistar um campeonato. Ela está sendo treinada para aperfeiçoar as técnicas de preparação de pães e assim mostrar-se a melhor entre outros nove concorrentes com Down do país. A competição acontece em São Paulo, em novembro, e ela está super animada e otimista, o que é mais importante.  Para quem não conhece de perto alguém com a síndrome, é importante deixar claro que uma das características da doença é a dificuldade de aprendizagem. Para se ter  ideia, Renata Araújo, minha personagem, só aprendeu a ler e escrever aos 19 anos. Uma vitória.
A história de Renata para mim já bastava. É superação e é sempre bom escrever sobre isso. Aprendo sempre que converso com alguém que busca o melhor entre os desafios mais difíceis que a vida oferece. Foi assim com a mulher de 30 anos. Foi assim também com a mãe de Renata, a dona de casa Suely Araújo, 56. O depoimento dessa mãe me fez encerrar a entrevista com a voz embargada por um início de choro. Parei, respirei e parabenizei a mulher que é uma mãezona. Aposta nos desejos da filha, acompanha o desenvolvimento dela, ensina, insiste. Não desiste.
Olhando firme para mim, ela falou que não se importava se a filha era doente. Para ela, o que interessava era o fato de Renata ser feliz mesmo com as limitações. E Renata parece ser feliz. Sorri o tempo inteiro, faz pose para fotos, beija e abraça quem está do lado, tem garra, auto-estima. A jovem panificadora e sua mãe ensinam o que a humanidade ainda não aprendeu por inteiro. O respeito às diferenças, sejam elas físicas ou intelectuais.
Enxergar o outro como igual, mesmo que ele seja diferente de nós é um exercício dos mais difíceis, mas é possível. E não precisamos ter essas histórias dentro de casa para aprendermos. Basta olhar nas ruas, no trabalho, na escola e nos jornais e teremos exercícios diários de cidadania para realizar.
A vantagem de ser jornalista é que aprendemos todos os dias em nossas entrevistas. Exercitamos. Com a justificativa de fazermos um texto, podemos adentrar a vida do outro e dissecar suas histórias. Nessa tarefa rotineira de descobertas, às vezes surpreendentes, nos emocionamos e mudamos um pouco a cada dia.
Mas penso que é preciso ter olhos de emoção. Daqueles que enxergam e sentem o personagem e seu enredo. E diria mais. É necessário ter vontade de mudar o mundo, mesmo que de pouquinho, passando adiante histórias como a de Renata e de sua mãe no jornal nosso de cada dia.

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Para quem ainda não é, uma parte da reportagem:

Renata driblou as dificuldades

Ela nasceu com Down. Aprendeu a ler aos 19 anos. E é a única a representar o estado na Olimpíada do Conhecimento do Senai

Nunca diga que não tem jeito. Todos os dias, Renata Araújo dá um drible nas impossibilidades da vida. Seu mais novo desafio é usar as mãos como aliadas, como ponte para as próximas conquistas. Em uma cozinha com temperatura agradável, ela desenha o formato do pão sobre um balcão impecavelmente limpo. Parece costurar um sonho, mas o que ela quer mesmo é sentir o gosto da conquista. Renata tem 30 anos e nasceu com Síndrome de Down. Diante das impossibilidades impostas pela doença, aprendeu a ler e a escrever bem mais velha, aos 19 anos. Agora dá mais um golpe no tipo de vida que a síndrome quis lhe impor. É a única pernambucana escolhida para representar o estado na Olimpíada do Conhecimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que acontece em novembro, em São Paulo.

Em três dias, Renata vai competir com representantes de nove estados brasileiros. Todos os participantes que disputarão com Renata têm Down e precisarão provar que são os melhores nas técnicas de panificação. Renata ganhou a vaga depois de se destacar entre 20 alunos com Down das dez escolas técnicas Senai do estado. Se conseguir o mesmo feito nacionalmente, parte para uma disputa internacional. O treinamento intensivo começou em abril na unidade do Senai em Paulista. Acontece de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h. Como mora no Arruda, no Recife, ela sai cedo de casa, pega dois ônibus junto com a mãe, Suely Araújo, e em pouco menos de uma hora chega ao destino. “Sou vitoriosa. Vou ganhar”, anuncia Renata, sem qualquer sinal de baixa-estima.

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