Em Foco 0607

No Brasil o pessimismo em relação à Copa foi em grande parte contaminado pela disputa eleitoral. Já no pessimismo vindo do estrangeiro, o elemento impulsionador é o olhar característico de país rico que vê como potencial fracasso tudo que não seja organizado ou produzido por eles. Entra aí também a doença infantil do jornalismo, que é a de considerar que pessimismo é sinônimo de questionamento. É o que destaca o texto do Em Foco do Diario de domingo, escrito por Vandeck Santiago.

Pessimistas, o Brasil mudou

Copa reverte expectativa de fracasso, deixa saldo benéfico para o Brasil e mostra que pessimismo não é sinônimo de questionamento

Vandeck Santiago

Eu não sei se vocês sabem, mas o Brasil é o 9º país do mundo na promoção de eventos internacionais, em um ranking que tem os Estados Unidos e a Alemanha no primeiro e segundo lugares respectivamente. Em 2003 nós sediamos 63; em 2013 foram 315, quase um por dia. Um aumento de 480%. Na estatística não entram os eventos esportivos nem os religiosos, só os congressos e convenções de negócios. Os dados são da ICCA (Internacional Congress and Convention Association), entidade que monitora a atividade no mundo. Recorro a estes números só para dizer uma coisa: o Brasil mudou tremendamente nos últimos 20 anos. Não pode mais ser medido por aquela régua pessimista que acha que aqui tudo vai acabar dando errado.
O mais recente acontecimento que os pessimistas tentaram medir com esta régua foi a Copa. A uma semana do final do evento, já podemos afirmar que aqueles que previam o caos, a falta de energia, as ruas tomadas por gente quebrando vidraças, os aeroportos cheios de voos atrasados, os estádios incompletos, a mobilidade urbana sem conseguir sair do lugar, um vexame de dimensão mundial – bom, os que previam este apocalipse viram suas profecias derreterem sob a realidade testemunhada por brasileiros e estrangeiros desde os primeiros dias da Copa (a essa altura do campeonato um mea culpa cairia bem para eles, mas duvido que o façam: quem vive prevendo desgraças odeia constatar que elas não aconteceram).
No Brasil o pessimismo em relação à Copa foi em grande parte contaminado pela disputa eleitoral. Já no pessimismo vindo do estrangeiro, o elemento impulsionador é o olhar característico de país rico que vê como potencial fracasso tudo que não seja organizado ou produzido por eles. Entra aí também a doença infantil do jornalismo, que é a de considerar que pessimismo é sinônimo de questionamento.
Um dos jornais de economia mais conceituados do Mundo, o britânico Financial Times, publicou matéria dois meses antes da Copa (20/04) dizendo que o evento iria expor “as falhas horríveis” do Brasil. Hoje, na imprensa internacional e nacional, há um consenso de que a Copa foi bem sucedida – a dúvida é, vejam só, se ela será ou não a “Copa das Copas” (lá e cá tem gente dizendo que já é).
A escalada de visões positivas tem no topo as principais publicações do jornalismo mundial. O New York Times reconheceu, em sua edição de 17/06, que “as previsões do juízo final dão lugar a pequenos soluços no Brasil”. O Wall Street Journal (18/06) segue no mesmo tom, afirmando que o Brasil podia “respirar aliviado”. No Le Monde (21/06) a Copa foi classificada de “milagre brasileiro”.
O arremate dessa reversão de expectativas veio de um francês PhD em eventos esportivos, David Ranc, que disse que a Copa no Brasil está mais bem organizada do que as Olimpíadas de Londres em 2012. Em sua argumentação (26/06), Ranc enfatiza um ponto que mencionamos algumas linhas antes nesse texto: “Sempre que um evento é organizado em um país do Hemisfério Sul, o discurso e a memória são de potenciais fiascos, que normalmente não se materializaram. Sempre que um evento é organizado em um país do Hemisfério Norte, o discurso e a memória são de sucessos, mesmo quando houve fiascos de verdade”.
É preciso considerar ainda que a vida não se acaba após o evento – depois do apito final, no dia 13, cobranças e investigações podem continuar sendo feitas. Da mesma forma, aprimoramentos e melhorias podem ser executados. Mas o fato é que o balanço da Copa do Mundo no Brasil é significativamente benéfico para o país.
Noves fora as questões mais materiais, eventos como Copa do Mundo ou Olimpíadas fornecem ao país que os sediam a capacidade de aprender a preparar e organizar grande eventos internacionais. Se você nunca faz, nunca aprende. A Europa – para ficar num exemplo do Hemisfério Norte – organiza grandes eventos há séculos. Em 1889 a França organizou uma edição da Exposição Universal e construiu a Torre Eiffel em dois anos – uma obra de 10 mil toneladas e 300 metros (algo assim, em termos de altura, equivalente a oito estátuas do Cristo Redentor empilhados um sobre o outro). Foi a maior construção do mundo na época. O país tinha dinheiro e tecnologia. O Brasil é hoje a 7ª economia do mundo e o 9º realizador de eventos internacionais. Pode almejar a realização de grandes realizações. Já os pessimistas, estes precisam convencer-se de que o Brasil não está mais nos anos 1980.