O livro A guerra das salamandras foi publicado originalmente em 1936. Seu autor, Karel Capek (1890-1938), talvez tivesse tantos sonhos intranquilos quanto seu compatriota Franz Kafka, mas deixou como legado uma obra em que o horror vem confeitado com sátira. Uma receita poderosa de sabor duradouro. Lançada no Brasil em 1988, pela editora Brasiliense, a versão brasileira da Guerra ganhou uma nova tradução em 2011, desta vez pela editora Record. Felizes os seus proprietários. A edição está esgotada e até os sebos – inclusive os virtuais – não têm exemplares disponíveis em suas prateleiras.
Eu tenho as duas Guerras em português – confesso que prefiro a da Brasiliense – e sou fã do estilo inventivo de Capek, criador da palavra “robô” para designar os seres mecânicos submetidos à exploração pelos humanos. O termo havia sido sugerido pelo irmão Josef e publicado na peça R.U.R. (Rossum’s Universal Robots), encenada em 1920. Tanto Karel como Josef morreram vítimas do totalitarismo que tanto combatiam, na imprensa, nos livros e nos palcos.
A guerra das salamandras começa com a descoberta, pelo rude capitão Van Torch, de uma espécie inteligente de anfíbio semelhante a um lagarto em uma ilha da Sumatra. A parceria para extração de pérolas logo deriva para a exploração em todas as atividades humanas. E então as salamandras reagem. É ficção científica com direito a todos os recursos literários possíveis. O leitor se depara com artigos de jornais, diários pessoais, artigos científicos, tudo para imergir neste mundo que, em paralelo, refletia uma Europa mergulhada em ismos (nazismo, fascismo, comunismo) e na exploração de colônias habitada por seres inferiores.
Outro livro de Capek publicado no Brasil é Histórias apócrifas, lançado em 2009 pela Editora 34. Tratam-se de 29 quase crônicas publicadas primeiramente no jornal Lidové Noviny (O Jornal do Povo), onde ele brinca com temas mitológicos e bíblicos ao seu estilo. O desenho usado na capa é do dito cujo. Talento tcheco a serviço da humanidade.
Na verdade, Capek é considerado o mais representativo autor tcheco da primeira metade do século XX — do ponto de vista dos seus compatriotas, os quais, com tal valoração, não estão diminuindo o universalmente consagrado Kafka. Trata-se de que este escreveu a sua obra em alemão, e Karel usou o idioma nacional para deixar um legado literário tão importante quanto o de Franz (embora menos divulgado e/ou conhecido etc).
É verdade, Monteiro, esqueci deste detalhe da língua. Bem lembrado. Tanto Kafka quanto Capek merecem ser lidos.