Em Foco 1605

Índios Xucurus promovem grande assembleia em Pesqueira a partir deste domingo e abrem portas para pesquisadores. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco deste sábado, por Silvia Bessa. A imagem que ilustra a página é de autoria de João Velozo.

O elo com o passado

Silvia Bessa (texto)
João Velozo (foto)

Ridivânio Procópio da Silva, o Juruna, estuda História há dois anos na Universidade Católica de Pernambuco. Bartira Ferraz há 30 anos faz pesquisas sobre a temática indígena, boa parte na Universidade Federal (UFPE), onde chefia o departamento de História. Os dois caminham juntos agora em um projeto novo, audacioso, que pretende desvendar o que os livros e os estudos já publicados desconhecem sobre a ocupação das terras pernambucanas (e brasileiras) por índios e quilombolas, sobre como as tribos se comunicavam séculos atrás, hábitos e rituais e sobre como mantêm ainda hoje viva a luta pela preservação de direitos. Pelo relato, tive a impressão de que estamos prestes a acompanhar uma interessante miscigenação de experiências. “Eles são o nosso elo com o passado”, defende Bartira, categórica, ao falar sobre a importância de os próprios índios conduzirem o relato sobre os seus.
Funciona assim: as tribos abrem as portas para uma equipe de doze especialistas brasileiros, espanhóis e americanos, ajudados por estudantes. Em visitas, os historiadores, geógrafos e antropólogos trocam ideias e, além de colherem informações preciosas, incentivam indígenas a tentarem cursos superiores que abordem questões de ontem e de hoje pertinentes às tribos. Há a expectativa da homologação de um edital para liberação de recursos prometidos, mas o campo começou com expedição a aldeias no Norte do país. No Nordeste, se iniciará neste domingo, quando Bartira Ferraz acompanhará uma assembleia fechada dos índios Xucurus, do município de Pesqueira (Agreste de Pernambuco), intitulada Limolaigo Toype. Ela é realizada há exatos quinze anos.
Será um grande encontro, que pretende reunir mais de seis mil índios na Aldeia Pedra D´Água, Serra de Ororubá, Pesqueira. Índios de vinte e cinco aldeias Xucurus, afora eles Potiguares, Trukás e Xucurus-Cariris foram convidados a participarem do evento a fim de debater temas preocupantes. A abertura se dará com um ritual na mata da aldeia. A segunda, dia 18, será dedicada a discussões sobre direitos indígenas, culturais e constitucionais. Entram questões como saúde, educação e meio ambiente, entre eles o acesso à água – este, um problema que tem se agravado com a seca dos últimos anos e com a exploração de terras para plantações no entorno das aldeias.
Os conselhos específicos dos indígenas (de educação, por exemplo) e as lideranças têm importante reunião sobre sociabilização no dia 19. A pesquisadora Bartira Ferraz deve ter acesso à maior parte da programação como convidada nos três dias de assembleia, o que significa que a observação dela pode contribuir muito com informações para a rede de pesquisadores que ela coordena como representante do Brasil.
“Acho muito importante a participação deles na escrita da história. Sem eles, a gente não entende muito do que se passou. Não se pode esclarecer o passado”, explica a professora Bartira, referência sobretudo quando se fala da época do Brasil Colônia, enfatizando que os índios contribuem muito na tradução de documentos importantes que vão sendo descobertos.
Juruna também vem desenvolvendo trabalho para guardar a vivência dos Xucurus de Pesqueira, de onde veio. Começou a ouvir os mais velhos. Disse estar encontrando barreiras, em especial daqueles que convivem com traumas da década de 1970 quando eram proibidos até mesmo de se comunicarem usando línguas nativas. “Mas continuo para que a gente não perca o que se passou”, alega.
Da conversa com uma branca e um índio, saí mais convencida de que, quanto mais se descobre o passado dos índios e se entende o presente, mais se pode avançar na busca por uma vida melhor no futuro.