Neste Dia dos Namorados, salvo do esquecimento esta crônica para os casais de todas as idades.
Urariano Mota (texto)
Greg (arte)
Assim como nas sucessões do tempo de toda a natureza, da flor que fenece e cai e se ergue em outra a partir dos grãos derramados, assim como a onda do mar que se espraia e se desfaz e se refaz dos seus restos em nova onda, assim também o amor se faz um sentimento de marcas e rugas que entranham à vista o sol que se foi e se organiza em nova pele. Tem um sabor íntimo do vinho de que se aprendeu a gostar, uma cumplicidade de lições apreendidas ao toque sem palavras, que o primeiro fogo não poderia construir.
Pois não é próprio do fogo o consumo e o autoconsumo voraz no incêndio, mas lento depois até as brasas que por fim esfriam? Pois sendo próprio do fogo a destruição inexorável, linear e de sentido único, do começo para o fim e sempre, é no entanto mais próprio da pessoa humana o guardar semelhança com os fenômenos naturais, mas sem se deixar reduzir ao que não tem o salto e a qualidade da gente.
Se os primeiros anos de amor são um fogo sem medida, e ao dizer isto guardamos apenas uma aproximação, pois não são exatamente um fogo a loucura e a impulsividade e o não ter limites os atos e ações dos primeiros tempos, este amor guarda correspondência com o amadurecimento, e, portanto, faz sua casa nas rugas do rosto, e por rugas lembrarmos sempre os efeitos do sol ao longo do tempo na matéria que é couro do semblante.
As perdas na vida organizam um novo ser, porque a vitória não é bem um metódico e unidirecional fazer a coisa certa. A vitória é um fazer inúmeras coisas erradas, que ao receberem uma reflexão iluminam o fazer a coisa menos errada. A vitória sobre as trevas é um labirinto que oculta o caminho secreto até a maravilhosa saída. Mas ainda aí, nessa tradução de perdas, o amor amadurecido ainda não é alcançado. Pois para ele, para esse amor que sofreu mudanças ao longo dos anos, o que há e o que houve não são bem perdas.
O amor maduro evita caminhos precários, enquanto o verde segue às cegas até uma satisfação sempre insatisfeita.
É claro, o amor que amadurece não nos deixa menos carnais, mais virtuosos ou santos. De um ponto de vista menos prático, ele é a transformação daquele sentimento juvenil que só desejava a própria satisfação. Que em vez de abrigar buscava urgente abrigo. Agora, em lugar da busca de formas perfeitas, e sabe-se lá o que a carência idealizava como perfeitas, se coxas, busto, ventre, rosto, perfume ou fetiches, esse amor maduro compreende que a estação das formas não se guarda nua em mármore. Que aquela pedra é forma oca de experiência. Mas que nem por isso esse amor transformado é um sentimento outonal, do ocaso. Ele não é o sentimento de alguém que vê a chuva batendo na janela, e aconchegado no calor da sala se diz, “para a rua não poderei mais sair”. Ele é apenas, talvez, uma doce intimidade sujeita a trovoadas, tempestades, pois a vida não é de paz, dentro e fora do sentimento. Mas sem aquelas soluções terminativas, definitivas, dos arroubos sectários dos primeiros anos: “ou isto ou nada”.
Esse amor maduro diz melhor, fala melhor às sístoles e diástoles do coração velho. Dele fala melhor o que não é conceito, ao que é essencial encarnado no destino de toda a gente. E o essencial é que as rugas, as gorduras, os ossos frágeis do objeto que se ama se revelam uma fortaleza. O amor que amadurece ama a pessoa exatamente nesse tempo de aparente decadência física, e por causa mesmo dessas formas frágeis. As fragilidades físicas se tornam uma qualidade, pois remetem a uma história comum. Esse amor apenas deseja dizer, “saiba que aprendi muito a amar as suas rugas”. O que quer dizer, ele, esse novo amor, não quer vê-la sozinha, ele a quer a seu lado nos próximos, poucos e infelizmente poucos anos que lhes restam.
Como flores açoitadas na praia pelo vento. Até que venham as ondas e tudo cubram.
Grato ao editor e ao artista Greg