Por uma nobreza bem nordestina
Se houve algo que pode ter servido de combustível para os incontroláveis desejos de materializar castelos em terras pernambucanas, este foi o movimento armorial. Uma de suas bases, de exaltação da nobreza, com direito a brasões familiares de uma tradição sertaneja quase imaginária, foi, inclusive, um dos motivadores das críticas mais ferrenhas quando da gênese da proposta cultural. “Desde o início, até hoje, se fala mal do armorial pelo ideal de nobreza, ligado à nascença, mais ligado ao poderio galego-português e lusitano que habitava o imaginário popular”, explica o doutor em ciência literária da Universidade Federal de Pernambuco, Lourival Holanda.
A nobreza armorial pode até ter influenciado sonhos de reinado, mas se passa num terreno fértil o bastante para que agruras e mágicas convivam em sintonia para formar uma moral de história de superação de um sertanejo mítico, artístico até na concepção, graças ao contexto descrito pelo próprio Ariano Suassuna. “A arte armorial brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos ‘folhetos’ do romanceiro popular do Nordeste, com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das artes e espetáculos populares com esse mesmo romanceiro relacionados”, afirmou, em maio de 1975, ao Jornal da Semana, do Recife.
Para Holanda, a manifestação cultural sertaneja representada nesse contexto se aproxima de um imaginário medieval, como ocorre em sociedades do Marrocos e da Tunísia, mas que fazem parte de um inventário memorialístico. “Há uma nostalgia de um passado que não é bem nosso e o Sertão, por assim dizer, passa a ser apenas uma questão geográfica, mais ligado à cultura local, já que, hoje, muito já mudou na região. A arquitetura, nesse caso, é muito mais a manifestação do imaginário nordestino espontâneo do que a apropriação do movimento em si”, afirma.
Membro da Academia Pernambucana de Letras, Holanda defende ainda a necessidade de ressignificação do próprio movimento armorial, originalmente concebido como uma resposta à norte-americanização homogeneizadora. “Ele não continua com a mesma força por não ter a mesma função, hoje. Até a ideia de nobreza, que muitos atribuem às finanças, passa a ser a capacidade de criar arte, a criatividade”, defende, concluindo ainda que novas formas de manifestação do movimento, adaptando-o à realidade do nosso tempo, podem mantê-lo relevante. “Como a Semana de Arte foi necessária naquele momento, em 1922, o armorial também foi em seu tempo. E, para ser preservada, tem que mudar. Expressões assim, na arquitetura, como os castelos que temos no estado são exemplos dessa criatividade proposta pelo movimento e que tornam a cultura do Sertão viva”.