Um império de saudade
Era 1979, quando o encanador e eletricista, já conhecido pela alcunha de João Capão (dos tempos de goleiro de futebol), comprou o primeiro dos cinco lotes de terreno que hoje é a sede de seu eterno reino pessoal. O cavar dos alicerces para a construção, localizada no Agreste pernambucano, a 201 km do Recife, teve início dois anos depois. Desde então, por 36 anos, a obra foi sendo levantada, diariamente supervisionada em cada detalhe pelo menino. “Ainda está na metade”, disse, como quem descreve o preparo de um bolo. “Na década de 1980, minha mãe conheceu meu castelo. Ficou feliz demais. Orgulhosa. Algum tempo depois, faleceu”, lembrou.
Trocar o lápis pela condução de 1,6 mil m² em alvenaria exigiu uma vida de sacrifícios. Do dinheiro mensal, separava a quantia destinada à feira e o resto aplicava no castelo, digno de cortes reais. São 10 quartos de 3m x 9m, salão de festas, cozinha e toda uma área, onde a adaptação dos planos previa a abertura de uma pousada, para viabilizar o custeio da própria ousadia. A sala de estar é ornada com um jacaré em cimento, lareira e até um trono, em que João, para as fotos, nunca se opôs a posar sentado, de capa, cetro e coroa.
Para isso, contava com trabalho e simpatia. “O povo gostava de mim. Tinha vez que eu estava trabalhando em 10, 12 obras ao mesmo tempo, tanto como encanador quanto como eletricista. Aí dava para fazer dinheiro”, contou, sobre como, além do castelo, conseguiu erguer 12 casas, cinco presenteadas aos filhos e as demais, vendidas para custear o andamento do castelo e a compra do Cruzeiro de Garanhuns, time de futebol, sua outra paixão, que diz ter mantido por quase 30 anos. “Joguei por quase 60 anos. Até minhas pernas entroncharem. Ando difícil agora, mas porque joguei muito”, contou, garantindo que não trocaria a própria história nos gramados por uma velhice menos penosa. “Me arrependo não. Me arrependo é de ter pedido ajuda para quem podia ajudar, aqui na cidade, e ver gente rindo da minha cara. Não tenho como fazer sozinho. Não sei se chego a terminar. Mas sou o trabalhador da minha vida”.
Se rei bom é aquele que conhece cada parte de seu reinado, João prefere guardar conquistas e dados, em vez de mágoas. “Pus 31.299 caçambas de barro aqui na frente. Usei 1,26 milhão de tijolos. Vendi 5 mil cordéis sobre o meu castelo. Sempre dizendo que não tinha preço, é de R$ 1 a R$ 1 milhão, para que cada um fizesse sua parte aqui”, elencou. As dimensões de cada parede, o preço de cada fonte, cada estátua, ia dizendo de cor, emendando que deveria ser milionário a essa altura. Silenciou, olhou em volta, passou a mão em uma cadeira e depois numa das grossas paredes. Sorriu. Não precisava dizer. Era mais rico que os milhões seriam capazes de dimensionar.
“Vou trabalhar nesse castelo até o último dia da minha vida”. Disse e cumpriu, durante a última entrevista cedida por João Capão. Ele faleceu no dia 12 de maio de 2016, vítima de um infarto, no Hospital da Restauração, no Recife. Despediu-se, aos 81 anos, com um sorriso no rosto e, há quem diga, trajando a tal coroa imaginária que acompanha seus sonhos desde os oito.
Distância do Recife
Início da construção
31.299 caçambas de barro
Segundo cálculos do proprietário, além das mais de 30.000 caçambas de barro, obra demandou cerca de 1.3 milhão de tijolos em sua construção, ao longo de 36 anos
Clique e confira as dependências do castelo em 360º
Visitas são permitidas durante toda a semana
Obra de João Capão é frequentemente visitada por escolas da região e por excursões turísticas que passam pelo município de Garanhuns, no Agreste