Arrependimento talhado em concreto

Se você nunca entrou no castelo de Pesqueira, no Agreste pernambucano, provavelmente não terá mais oportunidade. Talvez o monumento mais conhecido do interior de Pernambuco, a residência de 14,4 mil m², não é e, possivelmente, não será aberta a visitantes num futuro próximo. Conhecido pelo exterior multicolorido e repleto de gárgulas, ameias, correntes e inúmeros outros ornamentos, o imóvel desafia as noções imagéticas de limite, sendo impossível concebê-lo em detalhes em apenas um olhar para sua fachada, espremida entre outras residências, no centro da cidade a 202 km do Recife.

 

Edvolnaldo Torres, 53, abre a porta principal do palacete e conduz os olhares por cada detalhe que planejou desde 1999. Um pouco a contragosto. Há anos, evita ceder entrevistas ou falar do próprio castelo. Aponta para abóbadas em estilo grego e vai mostrando os desenho a lápis, que viraram formas de isopor, antes da peça de concreto, espalhada pelos cantos de toda a construção, ser concebida. “É uma arquitetura espontânea. Desenhei e fiz. Às vezes, não conseguia dormir até colocar no papel. Não tem um padrão, um norte. Vejo coisas bonitas, ponho aqui. Em fotografias, filmes, o que for. É algo que não tem explicação. Comecei a fazer e fui sendo levado com isso”, resume o empresário do ramo de móveis, eletrônicos e eletrodomésticos.

Na casa, vive metade do tempo, quando não está no Recife, mas o imóvel é sempre ocupado pelo filho Nathan Nikolai, 27, (um dos quatro rebentos, todos com nomes estrangeiros por sua influência da literatura russa) que vive com a família num dos quatro andares da construção. A residência está na família há, pelo menos, 30 anos e já era embebida em cultura. Rica em madeira, tinha detalhes entalhados com o tema Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos sobre a vida de retirantes de regiões castigadas pela seca. A vocação do imóvel foi unida ao desejo do proprietário em construir algo que pudesse ser presenteado à cidade. “Eu queria fazer algo parecido com Brennand e ‘passar’ para Pesqueira, pensando no turismo”, afirma, inspirando certa reciprocidade do município com o sucesso pessoal do filho de um operário da Fábrica Peixe, destaque entre 10 irmãos criados na pobreza, mas com uma filosofia que estudos poderiam reescrever o destino familiar. O primeiro passo foi, aos 18 anos, ser aprovado em concurso da Caixa Econômica Federal, de onde vieram os primeiros investimentos em sua arte.

Edvolnaldo vai lembrando do início, dos primeiros desenhos – que bebiam na fonte do modernista espanhol Antônio Gaudí. Também trata das motivações e fala devagar, quase arrastado. Cada palavra pensada, mas cheia de pesar. O monumento nunca foi muito bem recebido pela população local. Anônimo, chegava a ficar do outro lado da rua quando caravanas em ônibus de turismo paravam na rua apenas para se martirizar a cada vez que ouvia um “que desperdício de dinheiro” ou um “não deve ter com que gastar”. Para um pouco. Boca seca. “As pessoas não valorizam. Isso deveria ser um museu, algo bom para a cidade. Eu estava construindo uma expansão, em outro prédio, para ser uma biblioteca pública. Parei. Meus filhos é que vão tocar a obra, que deve ser um prédio residencial”, diz.

Por dentro da obra, é possível identificar a falta de definição do destino do prédio. Diferente da fachada, não há divisões definidas, no aguardo por um novo rompante criativo, caso os desejos construtivos voltem. Uma estátua de leão em tamanho real faz companhia a inúmeras peças de concreto à espera de uso. Em apenas um dos corredores, entre os vários concluídos, vê-se quatro luxuosos lustres, vários bustos e quadros. É quase difícil de andar, mesmo em lugar tão amplo. A exceção se faz em parte do primeiro andar, reservado a um piano quase não tocado.

Torres não faz qualquer cálculo sobre quanto gastou na concretização do sonhos. Sabe que foram alguns milhões, mas as contas se perderam junto à antiga satisfação ilimitada em ver a materialização dos próprios desenhos – “Se o cara fizer conta, não faz”. Evita os papéis agora, tanto quanto falar em números – prefere ater-se a dois ensinamentos que diz nunca esquecer: “Dinheiro é o melhor empregado e o pior patrão” e “Quem termina um castelo morre”. A vontade vai e vem. Em alguns meses, considera a obra concluída, em outros, sabe, terá vontade de mudar e ampliar. Admite arrepender-se, ao menos uma hora. “Isso não é obra para uma vida. Antigamente, faziam em 400 anos. Galileu dizia que quando ia numa galeria, queria ir com pincel, para terminar o quadro já exposto”, diz.

Por enquanto, o castelo de Pesqueira segue sem obras e os portões, fechados ao público. Rei sábio dá conta que corte rebelada só depende da motivação correta para voltar. Há de chegar o tal dia em que o patrimônio poderá fazer parte de uma cidade que o admira. Edvonaldo não sabe se terá essa satisfação. Por ora, também não sabe precisar se o castelo chegará ao fim até o fim de sua vida. Muito menos diz se os filhos dariam prosseguimento ao que, um dia, foi seu maior desejo: “Tomara que não continuem. Não desejo isso para eles…”.

Distância do Recife

Início da construção

Um ponto turístico artesanal para a cidade de Pesqueira

São 8 salas, 4 banheiros, 3 quartos, com inspirações grega, romana e jônica

Clique e confira as dependências do castelo em 360º

Interior da construção é marcada pelo luxo

Tendo como referëncia museus de grande porte como o Louvre, interior do castelo é repleto de bustos, armaduras, instrumentos musicais e detalhes nas paredes, como forma de atrair a atenção de um público que já não tem acesso a ele

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