Por Henrique Souza

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve ontem abstenção de mais de 50%, um recorde histórico. Faltaram ao primeiro dia de provas 2,8 milhões dos pouco mais de 5,5 milhões de candidatos inscritos. Em Pernambuco, houve uma ausência de 151.535 estudantes (48,4%). Em coletiva de imprensa para divulgar o balanço, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, culpou “o medo a respeito da contaminação”. O segundo dia de aplicação do exame será no próximo domingo, quando os participantes resolverão questões sobre as ciências da natureza e suas tecnologias, e matemática e suas tecnologias. Por conta da pandemia do novo coronavírus, o Inep ainda aplicará a versão digital em 31 de janeiro e 7 de fevereiro.

As provas de linguagens e ciências humanas, assim como o tema da redação deste ano, O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira, receberam elogios dos professores. O exame incluiu 90 questões, sendo metade de linguagens códigos e metade de ciências humanas. Por conta da pandemia, os portões foram abertos meia hora mais cedo que nos outros anos, às 11h30. Os testes foram aplicados das 13h30 às 19h. Docentes do Colégio Núcleo foram ouvidos pela reportagem para avaliar os conteúdos.

O professor de produção de texto Anderson Ferreira aprovou a temática da redação. “É um tema bastante discutido desde o ano passado e que gira em torno da ideia de estigmatização, essa característica que a sociedade tem de culturalmente criar símbolos negativos sobre as pessoas com deficiência mental. É uma discussão muito válida, bem arrematado para o Enem e dentro de uma discussão que pode ser exemplificada com o nosso ano, o ano da pandemia.”, afirma.

A professora de linguagens Rita Kramer aponta para a importância da interpretação de texto na resolução das questões. “Nenhuma das questões dispensa a leitura integral e atenta do texto. Outra coisa frisar é o cumprimento das expectativas em relação aos conteúdos: a variação linguística, funções da linguagem, gêneros textuais, tipos textuais, entre outros. O assédio contra a mulher também apareceu, a diferença salarial entre homens e mulheres. Questões de gênero foram importantes”, diz.

A professora de literatura Kelly Pimentel ressaltou o caráter transversal da prova. “Também destacamos a ausência das vanguardas artísticas europeias e a referência a muitos autores contemporâneos, alguns ainda pouco conhecidos, bem como a clássicos como Manuel Bandeira e Olavo Bilac. Ainda sobre artes, tivemos questões sobre arte conceitual, e o gênero canção veio privilegiando Lenine, Caetano Veloso, Tom Jobim e MC Fioti com a música Bum bum tam tam.”

O professor de história do Brasil Ian Chaves acredita que o exame esteve dentro do esperado. “Alguns conteúdos que a gente considera clássicos não estiveram presentes, como o século 20. Mas também vimos figurinhas carimbadas, como questões que se referem à escravidão, Brasil Colônia. Não foi uma prova de muitos sustos”, analisa.

A opinião também é compartilhada pelo professor de história geral Rodrigo Bione. “É uma prova que não trouxe grandes surpresas. A prova focou muito em questões como teoria política, direitos humanos, uma coisa boa de se ver.”

A professora de geografia Amália Guimarães diz que as questões poderiam ter abordado mais assuntos. “No geral, a prova ficou com poucos temas. Geografia é uma ciência que tem uma diversidade temática absurda. A prova veio de uma certa forma enxuta, o que é muito bom para os alunos, decorrente de todo o ano. E previsível quanto ao tema que dominou, que foi a questão agrária.”

Já o professor de sociologia Miqueias Soares elogiou. “É aquela prova que exercita a necessidade da cidadania. Várias questões analíticas, valorizando quem tem uma visão de mundo mais ampla. Questões sobre democracia, direitos humanos e educação.”

Dificuldades

Estudantes do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande Sul relataram não terem conseguido acessar os locais de prova por decisão das equipes de aplicação locais. O Inep ainda não se pronunciou sobre estes casos. Também foram vistas aglomerações em escolas e locais de aplicação, apesar da recomendação de uso de máscaras e distanciamento social. No Amazonas, as provas foram adiadas por causa do estado de calamidade pública causado pela pandemia.

Ontem, 2.967 participantes foram eliminados e 69 afetados por “ocorrências logísticas”, como quedas de energia. O Enem também não foi realizado em duas cidades de Rondônia (Espigão do Oeste e Rolim de Moura), devido às restrições dos governos locais à circulação de pessoas. Por conta disso, 3.832 estudantes não fizeram a prova nos dois municípios.

Os candidatos do Enem que apresentaram sintomas ou diagnóstico de Covid-19 na véspera ou no primeiro dia de prova poderão solicitar a reaplicação da prova entre os dias 25 e 29 de janeiro, na página do participante.