Por Correio Braziliense

Durou poucas horas a determinação do Ministério da Educação de retomar as atividades presenciais nas instituições federais de ensino, a partir de 4 de janeiro de 2021, como definia uma portaria publicada ontem. A repercussão negativa e o desconforto junto à comunidade acadêmica obrigou a pasta a voltar atrás, algo que, na visão de especialistas e entidades do setor, arranhou ainda mais a já arranhada imagem do MEC no governo de Jair Bolsonaro, sobretudo no contexto da crise provocada pela pandemia da Covid-19.

A portaria, publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU) e assinada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, estabelecia o retorno às atividades presenciais nas universidades federais logo no começo do próximo ano. E determinava, ainda, a responsabilidade das instituições integrantes do sistema federal no desenvolvimento de planos de retomada, seguindo o protocolo de biossegurança instituído em 1º de julho passado.

Após a repercussão negativa, o MEC voltou atrás. Fontes consultadas pelo Correio confirmaram a intenção de revogar a portaria, mas que o alto escalão da pasta tem como intuito estabelecer uma data de retorno, seguindo orientações do Palácio do Planalto. Em entrevista, Milton Ribeiro disse que não esperava a enxurrada de reações contrárias e afirmou que será realizada uma consulta pública antes de novas decisões serem publicadas.

“Quero abrir uma consulta pública para ouvir o mundo acadêmico. As escolas não estavam preparadas, faltava planejamento”, explicou, completando que a liberação vai ocorrer quando as instituições estiverem “confiantes”.

Surpresa

A portaria do MEC foi recebida com surpresa pelas instituições e entidades ligadas ao ensino superior, que emitiram comunicados criticando a medida e, em alguns casos, adiantando que a determinação não seria acatada. “Chama a atenção a edição de um normativo como esse, específico para instituições federais, em um momento de aumento das taxas de contaminação pelo coronavírus em diversos estados e no Distrito Federal”, destacou a Universidade de Brasília (UnB), por meio de nota.

A UnB reiterou que a portaria, além de desconsiderar o fato que a pandemia não deu sinais de estar controlada, “ignora princípio da autonomia universitária, previsto na Constituição Federal”. “A Universidade de Brasília reitera que não colocará em risco a saúde de sua comunidade. A prioridade, no momento, é frear o contágio pelo vírus e, assim, salvar vidas. A volta de atividades presenciais, quando assim for possível, será feita mediante a análise das evidências científicas, com muito preparo e responsabilidade”, salienta, indicando que não haverá aula presencial sem que haja melhora no cenário de transmissão da covid-19.

Na mesma linha, uma nota conjunta entre a União Brasileira dos Estudantes (UNE), União Nacional dos Estudantes (Ubes) e a Associação dos Pós-Graduandos (ANPG) destacou o descontrole da pandemia e que a retomada presencial nas instituições de ensino superior significaria uma verdadeira migração de milhões de estudantes. “Somado à circulação cotidiana em ambientes fechados, nos campi e prédios das universidades, os riscos de contaminação e proliferação do vírus são altíssimos”.

As entidades ainda afirmaram que “em nenhum momento houve interrupção total de suas atividades, incluindo recentemente a retomada parcial de disciplinas práticas que exigem atividade presencial com os cuidados necessários” nas instituições de ensino. A nota classifica a portaria do MEC como “uma atitude irresponsável, equivocada e que atenta contra a vida do povo brasileiro”.

Já a reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB), Luciana Massukado, considerou o retorno das aulas presenciais como inadequado e inoportuno, além de ferir a autonomia constitucional das instituições. “O IFB sempre colocará a proteção à saúde de seus servidores, estudantes e colaboradores em primeiro lugar”, destacou.

Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, criticou a falta de organização e planejamento do MEC. “Nem o próprio Conselho Nacional de Educação tem sido ouvido. Dificilmente as instituições terão condições de retomar as atividades durante a pandemia, porque isso demandaria investimento pesado. E o que temos visto é o contrário, redução de orçamento”, observou.

Na avaliação do especialista em políticas educacionais, João Marcelo Borges, todo esse imbróglio revela uma postura autoritária e desarticulada do MEC. “É autoritária porque o MEC toma determinações sem consultar a comunidades acadêmicas e acaba se isolando nesse processo. E desarticulada, já que sequer houve contato com outras instituições federais. O MEC, mais uma vez, se presta ao vexame ao baixar uma norma, ver a reação e desistir horas depois”, analisou.