Por Estado de Minas

O governo federal anunciou ontem a manutenção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enemnas datas previstas, mas a prova está mais do que nunca na corda bamba. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) enviou pedido de adiamento ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, devido aos riscos de proliferação da Covid-19. “Apesar dos jovens terem menor risco de desenvolver formas graves e tampouco estar prevista a vacinação da população com menos de 18 anos, o aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar elevação da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, diz a carta assinada pelo presidente do Conass, Carlos Lula (secretário do Maranhão).

Batalha para suspender o exame também prossegue na Justiça. Se em São Paulo a Justiça Federal deu o sinal verde para a aplicação a partir deste domingo (17/1), em Minas Gerais, a queda de braço travada com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) está apenas começando. Se deferido, mandado de segurança coletivo com pedido de liminar protocolado ontem na 21ª Vara Federal Cível, em Belo Horizonte, pode adiar a avaliação apenas em território mineiro ou se estender para todo o Brasil. Enquanto as batalhas judiciais se acirram, aplicadores e estudantes se dividem entre a obrigação e o medo, diante de um protocolo sanitário que causa desconfiança.

A ação foi elaborada pelo gabinete da vereadora Duda Salabert e impetrada pelo seu partido, o PDT. A ofensiva mineira ocorreu no dia em que o Inep anunciava decisão favorável da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo de manter os próximos dois domingos do Enem, em resposta à ação movida pela Defensoria Pública da União (DPU), que solicitou o adiamento do exame, alegando avanço da pandemia de coronavírus no país. Agora, o futuro de 5,6 milhões de brasileiros e 568 mil mineiros que confirmaram participação na prova impressa caminha lado a lado com a ação judicial movida no Tribunal Regional Federal de Minas também em razão da crise sanitária.
Mandado pede a suspensão das provas nos próximos dias 17 e 24 em nível estadual e nacional. Sendo assim, é possível adiamento só em Minas, com posterior reaplicação, ou em todo o país. Nas alegações, a equipe jurídica responsável pelo mandado traz como fundamentação o fato de Minas Gerais ainda ter vigente decreto de calamidade pública, além do decreto do prefeito Alexandre Kalil (PSD) que fechou novamente a cidade, permitindo o funcionamento apenas de serviços essenciais. O documento anexou ainda boletins epidemiológicos.
“Analisando a portaria que adiou o Enem pela primeira vez, apesar de ser ato discricionário, ou seja, o presidente do Inep pode, de acordo com a oportunidade e conveniência, escolher a data, quando ele motiva esse adiamento via Portaria 54, esse motivo se torna determinante”, afirma a chefe de gabinete da vereadora e advogada Clarissa Cotrim. “Ou seja, a realização da prova vai depender de que esses motivos continuem sendo respeitados. Em outras palavras, como ele disse que estava sendo adiado por conta da emergência na saúde pública e isso não mudou, o Enem tem que ser adiado novamente”, defende.
O mestre Francisco Borges, consultor de políticas educacionais da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT), de São Paulo, acredita que haverá outros manifestos ou ações contra a manutenção das provas. “Pelo risco, até o STF (Supremo Tribunal Federal) deveria promover uma discussão sobre o tema. O MEC (Ministério da Educação) deveria pensar ações que incluem verdadeiramente e não colocam em risco seus cidadãos”, defende. Para ele, a aplicação das provas este mês “é um grande erro”. “O Inep não se baseou em dados científicos para fazer o adiamento, pois a data prevista originalmente seria a mais adequada quando se trata de fluxo epidêmico. O fim de novembro foi o vale de contaminação decorrente das ações de isolamento. Agora, ele não ouve a ciência, a mídia nem a população, pondo em risco milhões de jovens e três a quatro vezes mais pessoas ao considerarmos os familiares. A gestão pública está expondo a população a desafios nunca tão grandes e visíveis. Falta de competência ou de total desvalorização do cidadão.”

Do lado de quem tem compromisso marcado, a insegurança é a bola da vez. Uma aplicadora que pediu anonimato não sabe se os protocolos de biossegurança anunciado serão suficientes. “Estou torcendo para que seja adiado. Não estava tão insegura como ando agora com a propagação do vírus. Estou realmente com medo, mas aceitei aplicar desde o ano passado”, conta.
A orientação aos aplicadores é clara: três trocas de máscaras serão exigidas deles em cada dia do exame. “Todos os colaboradores deverão higienizar as mãos antes da abertura dos portões para receber os participantes, e já deverão ter efetuado a primeira troca de máscara às 11h30”, diz uma das instruções do manual do chefe de sala e do aplicador, ao qual o Estado de Minas teve acesso. O horário de abertura dos portões, antes marcado para 12h, foi antecipado para as 11h30. A segunda troca está marcada para as 14h30 e a terceira, para as 17h30. Mas, o Inep não está fornecendo o equipamento de proteção individual, que é de responsabilidades dos próprios aplicadores. O governo se encarregou apenas do álcool em gel.
Também não está prevista a medição de temperatura dos candidatos ao ganharem os locais de prova. Chama atenção ainda o modo de organização de mesas e cadeiras. Em vez de simplesmente “condenar” assentos indicando a proibição de sentar, o Inep preferiu desafiar a capacidade física dos espaços. No item Preparação do local de aplicação, o segundo tópico orienta: “utilizar a lista de presença para verificar a quantidade de carteiras da sala de aplicação a serem organizadas, com espaço frontal e lateral de dois metros entre elas, para respeitar as regras de distanciamento social e evitar tentativas de ‘cola’. Deslocar as carteiras que sobrarem para o fundo da sala ou para outro espaço disponível do local de aplicação onde elas permaneçam protegidas contra danos”. Ou seja, as salas estarão com 50% das cadeiras ocupadas e as outras 50% encostadas. “Em salas com 30 alunos normalmente, em que as cadeiras ficam bem próximas, vamos ter que esticar as salas para conseguir distância de 2 metros entre cada participante”, relata a aplicadora.

Temores

Se quem aplica está inseguro, não diferente é a situação dos protagonistas do Enem: os estudantes. O adolescente Dirrieh Gonzaga Ulhôa, de 17 anos, se divide entre a vontade de fazer a prova e a análise de critérios sanitários.“É uma situação muito difícil. É o maior processo seletivo do país, haverá grandes deslocamentos”, pondera o jovem, que acabou de se formar no ensino médio no Colégio Olimpo, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. No último fim de semana, ele fez o vestibular da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), em Ribeirão Preto (SP). Ficou em isolamento na semana anterior à prova e nesta também. Mês passado, já havia passado pela maratona da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).  “Em ambas, as cadeiras da frente, de trás e dos lados ficaram vazias para garantir o distanciamento”, conta.

Médico recomenda isolamento

Isolar-se e evitar aglomerações antes e depois do teste, além de usar máscaras o tempo todo são alguns dos protocolos obrigatórios para quem fará o Enem, segundo o infectologista Carlos Starling, integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 em Belo Horizonte. Do ponto de vista médico e sanitário, ele é enfático: “Há um grande risco neste momento em qualquer tipo de aglomeração”.

Tentando fazer o “meio de campo” entre incerteza e a confiança, professores e familiares assumem papel fundamental, de acordo com a coordenadora da área de redação da Rede Chromos de Ensino, Janiny Nominato. “Acredito que tenhamos que confiar nas instituições. A explosão de casos de COVID-19 preocupa os alunos, por isso, apoio da área pedagógica, professores e familiares é muito importante nessa reta final para tranquilizar os candidatos”, diz.
A diretora pedagógica do Coleguium Rede de Ensino, Alessandra Dias, acredita que foi acertada a decisão de manter o Enem, confiando nas medidas de segurança que, para ela, serão suficientes “desde que candidatos e todos os envolvidos sigam rigorosamente todos os protocolos”. “O cenário de incerteza se desfaz ao ser autorizado o exame. Agora, o estudante precisa se concentrar para estar com todos os materiais necessários e permitidos, bem como os novos equipamentos de segurança, que serão obrigatórios. Eles precisam rememorar todo o esforço empenhado ao longo de 2020 para terem a certeza que se prepararam e podem colher os resultados no momento da prova.”
O Inep foi procurado para detalhar os protocolos de segurança e informar se houve aumento da quantidade de locais de provas e de aplicadores, mas não respondeu até o fechamento desta edição. Em nota, informa que os protocolos foram definidos em conjunto com as empresas contratadas para a aplicação do exame, com base nas principais diretrizes do Ministério da Saúde e de outros órgãos e entidades de referência. Acrescentou que estão sendo destinados R$ 64 milhões às medidas de prevenção contra a Covid-19, incluindo aquisições de equipamentos de proteção individual, álcool em gel e mais locais de aplicação de prova.
Confira as medidas de segurança para as provas:
» Máscaras
Será proibida a entrada e a permanência nos locais de aplicação sem máscara. Quem se recusar, injustificadamente, será eliminado do exame (exceto casos previstos em lei). As máscaras serão verificadas pelos fiscais.
» Higienização
Será necessária a higienização das mãos com álcool em gel antes de entrar na sala de provas. No banheiro, mãos deverão ser lavadas com água e sabão antes e depois do uso.
 
» Lanches
A vistoria de lanches e a revista eletrônica com detector de metais também deverão respeitar os protocolos de prevenção. Só será permitida retirada da máscara para alimentação ou ingestão de líquidos.
 
» Salas de prova
Os espaços serão higienizados antes de cada dia de aplicação do exame e organizados para garantir distanciamento social. Aplicadores devem possibilitar o máximo de ventilação natural e aeração dos ambientes. Está prevista a ocupação de aproximadamente 50% da capacidade máxima de cada sala.
 
» Distanciamento
Deverá ser respeitado em procedimentos como ida ao banheiro e vistoria de materiais e lanches.
» Grupos de risco
Idosos, gestantes e pessoas com comorbidades, doenças respiratórias ou que afetam a imunidade ficarão em salas com até 25% da capacidade máxima. Esses participantes foram previamente identificados na base de inscritos e, assim, alocados nas salas especiais.
 
» Participantes com doenças infectocontagiosas
Pessoas acometidas ou com sintomas de COVID-19 e outras doenças infectocontagiosas não devem comparecer aos locais de aplicação. A condição deverá ser comunicada, por meio da Página do Participante, antes da aplicação do exame.
 
Fonte: Inep/MEC