Venceu pela insistência
O primeiro triunfo foi sobre as decepções com o esporte. Não durou muito para voltar atrás da decisão de abandonar o vôlei. Retomou com a mesma dedicação, técnica e uma promessa: só voltaria ao Recife quando encerrada a sua carreira nas quadras. A partir dali, nenhum obstáculo a levaria à desistência. Nem o mais inusitado de todos: o tamanho dos pés. O número 36 foi um obstáculo para ela chegar mais rápido à seleção brasileira. Superado por Ana Cláudia, que é a personagem deste domingo da série Relíquias Olímpicas, que conta a trajetória das pernambucanas e pernambucanos que disputaram as olimpíadas.
Quando saiu de casa aos 18 anos para jogar vôlei no Rio de Janeiro, Ana Cláudia Ramos acreditava que não voltaria tão cedo. Mas dois anos depois estava de volta ao Recife, desiludida e decidida a levar uma vida “normal”, estudar e procurar um emprego. Decisão que não durou muito. Dois meses. Chegou em dezembro para passar as festas de fim de ano com a família e em fevereiro estava de malas prontas. A mãe tentou demovê-la da ideia, mas não teve jeito. Ouviu da filha. “Mãe, dessa vez eu só volto quando parar de jogar voleibol.”
Promessa cumprida por Ana Cláudia, que só voltou ao Recife, definitivamente, 20 anos depois. “Era o que eu sempre quis. Sempre fui meio cigana. Tanto que nunca parei muito tempo num lugar”, conta a ex-jogadora, que, nesse período, morou em várias cidades do Brasil e até fora do país. Dedicou a vida ao vôlei, esporte que começou a praticar na adolescência. Sofreu com as dores das lesões e decepções, sorriu com os títulos e alegrias proporcionadas pelo esporte, construiu amizades duradouras. Um momento em especial marca essa trajetória. Segundo ela, o auge, aos 26 anos. Defendeu o Brasil na Olimpíada de Seul-1988.
Ana Cláudia fez parte de uma geração do vôlei feminino brasileiro que surgiu na metade da década de 1980. Após deixar o Recife pela segunda vez, defendeu as principais equipes do Brasil. Fez parte das seleções brasileiras de base e chegou à adulta. Mas não foi fácil. E por um detalhe inusitado: o tamanho dos seus pés. Com 1,79m, ela calçava 36. Na visão da comissão técnica da seleção na época, essa “incompatibilidade” inviabilizava a convocação. A pernambucana ficou surpresa quando soube do motivo.
“Eu treinava, treinava, o pessoal me elogiava, dizia que eu era a revelação da seleção juvenil, mas quando chegava na hora da convocação final para a (seleção) adulta, me cortavam. A alegação era que eu tinha o pé pequeno. ‘Vai que você torce o pé? A gente vai ficar com menos uma jogadora!’, era o que diziam”, lembra Ana Cláudia, que hoje ri da situação. “Então, até eu me firmar na seleção, foi muito complicado. E até um pouco traumático por conta disso, mas eu sempre fui muito insistente”.
“Eu treinava, treinava, o pessoal me elogiava, dizia que eu era a revelação da seleção juvenil, mas quando chegava na hora da convocação final para a (seleção) adulta, me cortavam. A alegação era que eu tinha o pé pequeno. ‘Vai que você torce o pé? A gente vai ficar com menos uma jogadora!’, era o que diziam”
A vaga veio nas quadras
Com a seleção brasileira, Ana Cláudia foi ícone de uma geração ao lado de nomes como Ana Moser, Vera Mossa, Isabel e Ana Richa. Foi um grupo que fez história ao quebrar paradigmas com seus resultados. Em 1986, a equipe foi quinta colocada no Mundial de Vôlei. Um ano depois, no Pan de Indianápolis, ficou na quarta colocação. Em 1988, o resultado mais expressivo. O Brasil foi vice-campeão do torneio Pré-Olímpico, perdendo para a Rússia na final. Com esse resultado, pela primeira vez, o vôlei feminino iria aos Jogos Olímpicos com a vaga conquistada dentro de quadra. “Antes, só íamos por convite. Agora foi diferente, por isso foi histórico.”
“A participação na Olimpíada poderia ter sido melhor”, diz em tom de lamento Ana Cláudia. O Brasil não conseguiu repetir as boas atuações, além de ter caído num grupo com seleções muito fortes, como o Peru que, com uma geração histórica, foi medalhista de prata, e a China, que ficou com o bronze. A seleção ganhou apenas um jogo, diante da Coreia do Sul, na disputa de 5º a 8º lugar. Terminou na sexta colocação.
Ficou, na memória, a lembrança de algo que Ana Cláudia mal consegue descrever. “Olimpíada é uma experiência fantástica, fora do comum. Não tem como explicar. É muita emoção. Você passa muitos anos se dedicando, treinando. Tem hora que o físico e a cabeça não aguentam”, conta a ex-jogadora. “É tudo um processo. Olimpíada é o máximo que um atleta pode sonhar em chegar. Lá estão os melhores do mundo de todos os esportes. É fora do comum.”
[ Campanha
GRUPO B
Peru 3 x 0 Brasil
15/11, 15/11, e 15/3
Estados Unidos 3 x 0 Brasil
14/16, 15/5, 15/13, 12/15, 15/7
China 3 x 1 Brasil
2/15, 15/7, 15,12, 15/11
[ Classificação 5º a 8º lugar
Brasil 3 x 2 Coreia do Sul
15/6, 15/17, 8/15, 15/4, 17/15
[ Disputa do 5º lugar
Alemanha 3 x 1 Brasil
15/9, 15/4, 11/15, 15/11
[ Amizade para a vida toda
Há duas semanas, Ana Cláudia esteve presente em uma homenagem da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) às jogadoras que representaram o Brasil com a seleção feminina de vôlei. A pernambucana participou, aproveitando para rever as amigas de longa data. A amizade construída em quadra perdurou. Até hoje, as ex-atletas se comunicam e se veem quando é possível.
“Foi um grupo que se formou ali por 1985. Muitas meninas boas. A gente passava praticamente nove meses juntas, convivendo. Então, era inevitável essa aproximação”, conta Ana Cláudia. “Agora, a gente se viu nesse evento da CBV que reuniu as ex-jogadoras. Foi uma emoção muito grande. Com algumas, o contato é maior, mas outras não via há uns 20 anos. O pessoal dizia: ‘Vai chorar, vai chorar’. E não teve jeito.”
Ana Cláudia vê sua geração como o início de uma era vitoriosa para o Brasil. Ela se considera “cobaia” de um tipo de trabalho que, hoje, é bastante comum, focado na preparação física. “Foi uma geração tipo cobaia. A gente trabalhava muito o físico. O pessoal perguntava: ‘Vocês são corredoras ou jogadoras de voleibol?’”, diz a ex-atleta, que viveu situações inusitadas durante os treinos físicos. “A gente nadava muito. Mas eu não sabia, e não sei até hoje, nadar. Então eu ficava ali, na piscina, mas não saía do lugar. Eu era a única que podia usar o pé de pato.”
Para Ana Cláudia, a diferença da sua para a atual geração é a competititvidade por uma vaga no time