A felicidade de ser Joanna

Ela fez história quando obteve a quinta posição, inédita nos 400m medley, na Olimpíada de Atenas, em 2004. Tinha somente 17 anos. Até então, só uma brasileira havia conseguido ir tão longe nas piscinas olímpicas. Esperava-se que ela evoluísse até a medalha. Não aconteceu. Os anos seguintes foram difíceis. Marcados por desvios, assombrado por lembranças. De quatro em quatro anos, porém, ela estava lá. E quando a carreira parecia terminada, Joanna Maranhão, hoje com 29 anos, fez mais do que aquela Joanna de 17 anos. Nadando com alegria, alcançou o seu recorde pessoal nos 400m medley e garantiu presença em sua quarta Olimpíada, no Rio de Janeiro. É a única da modalidade a alcançar o feito. Joanna é a personagem deste domingo da série Relíquias Olímpicas, que conta a história das pernambucanas e pernambucanos que disputaram os Jogos.

“Acompanhei a Olimpíada de Sydney pela televisão. Vi toda entusiasmada o desempenho de Dayana de Paula e Yana Klochkova, da Ucrânia. Falei para mim mesma que gostaria de estar ali. Sempre tive o sonho olímpico.” A lembrança é de quando tinha 13 anos. Na época, Joanna Maranhão já brilhava na piscina. Sonhava com os pés e mãos na água. Quem a via, sabia que tinha potencial para alcançar o seu objetivo. Não tão rápido como aconteceu.

Joanna Maranhão - Foto: Karina Morais/DP

Joanna Maranhão – Foto: Karina Morais/DP

Mas aconteceu. Na edição seguinte dos Jogos Olímpicos, em Atenas-2004,lá estava a pernambucana, com então 17 anos, credenciada a disputar sua primeira Olimpíada. Pela pouca idade, Joanna não sentiu a pressão para atingir o índice na sua principal prova, os 400m medley. “Não tinha aquela obrigatoriedade de estar em Atenas, apesar de querer fazer parte daquela equipe”, conta a nadadora, que foi além da classificação. Terminou na 5ª colocação nos 400m medley, com o tempo de 4min40s00. Igualou a marca de Piedade Coutinho, obtida em Berlim-1936, a melhor colocação de uma nadadora brasileira numa olimpíada.
Na volta para casa, Joanna foi alçada ao posto maior de ídolo da natação feminina. A agenda estava cheia de entrevistas. Patrocinadores não faltavam. Foi paparicada ao extremo pela Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Mas ela não estava preparada para tudo isso.
Sem estrutura fora da piscina, Joanna sucumbiu. Viu na transferência para os Estados Unidos uma possibilidade de experimentar a liberdade. Conduzir o próprio destino. Deu errado. As coisas saíram do controle de vez. Curtição (muita!) em lugar de treino. Destaque no Brasil, passou a ser mais uma entre as atletas norte-americanas. E não eram as de ponta.

 

VOLTA PARA CASA

Após viver em um ambiente conturbado na temporada nos Estados Unidos, a atleta decidiu retornar. Voltou, mas os seus tempos não evoluíam. Optou por parar. Sair de cena. “A natação cobrou o preço por essa pausa que dei”, explica Joanna. Com a proximidade dos Jogos Olímpicos de Pequim, o desejo de fazer parte da equipe nacional cresceu. Restava pouco tempo. Na última tomada de tempo, porém, ela conseguiu o índice olímpico para os 400m medley. “Nunca vibrei tanto na vida quanto dessa vez. Devia isso a mim e a todos que sempre confiaram em mim”, acrescenta.

Mas todo o esforço de estar em Pequim não foi compensado na piscina. Nadou três provas sem grande destaque. Nos 200m medley, cravou 2m14s97, recorde sul-americano, mas foi apenas o 22º tempo geral. Nos 400m medley, obteve o 17º tempo geral com 4m40s18. Em sua última participação, nos 200m borboleta, fez 2min10s64, ficando em 22º no geral. Não teve direito a final alguma. Nesse período, casou e, um ano depois, separou-se.

Sofrimento silencioso

A natação é um dos esportes mais solitários de todos.  O silêncio das águas, porém, não incomodavam Joanna. Havia um outro que corroía a alma da nadadora. Por muito tempo, a nadadora carregou sozinha a lembrança de ter sofrido abuso sexual na infância. Viveu trancafiada em suas lembranças por mais de uma década. Pouco antes dos Jogos de Pequim, trouxe o caso à tona. Queria exorcizar fantasmas que há muito a assombravam e apareciam em atitudes ríspidas, comuns durante as crises de depressão pelas quais passou.

Joanna Maranhão - Foto: Karina Morais/DP

Joanna Maranhão – Foto: Karina Morais/DP

Joanna não pensou só nela. Queria que ninguém mais vivesse o que passou. “Foi uma parte dolorida da minha história. Mas deixei isso no passado. Reverti essas lembranças ruins em alerta para que outros não passem pelo que vivi”, conta a atleta.
Hoje, Joanna tem levado seu testemunho às escolas e creches. Na companhia de amigas, fundou a ONG Infância Livre, com sede no Recife. A entidade auxilia crianças que atravessam dramas semelhantes ao da nadadora. “É meu dever. Temos que falar sobre esse assunto com as crianças. Alertá-los, pois o perigo existe e está bem mais perto do que a gente pensa”, acrescenta.

Os principais em piscina longa

200m medley
2m12s12 (recorde sul-americano obtido em 2009)

200m borboleta
2m09s41 (recorde sul-americano obtido em 2009)

400m medley
4m38s07 (recorde brasileiro obtido em 2015)

400m livre
4m12s19 marca obtida em 2009

800m livre
8m32s96 (recorde brasileiro obtido em 2009)

[ Aprendendo a se reinventar

De novo amor (começou namoro com o judoca Luciano Corrêa, com quem se casará em outubro deste ano, no Recife), Joanna Maranhão iniciou uma nova jornada até obter sua vaga na terceira Olimpíada. Depois de Pequim, passou um tempo defendendo as cores do Minas Tênis Clube, em Belo Horizonte. As coisas saíram do trilho no clube mineiro após entrar em atrito com a diretoria. Despediu-se de Minas para bancar sua própria equipe técnica no Rio de Janeiro.

Essa atitude custou muito caro à sua família. Até hoje, a mãe Teresinha vem saldando débitos passados para pagamento de técnica, nutricionista, preparador físico e viagens para aclimatação fora do país. Mais uma vez, turbulência fora das piscinas. Mesmo assim, ela conseguiu sua vaga na Olimpíada de Londres. “Queria muito estar ali novamente. Eu e os 400m medley de novo!”, declara.
O encontro, porém, não ocorreu. Joanna não apareceu para nadar as eliminatórias dos 400m medley. “Só lembro de ter levantado e ido ao banheiro. Desmaiei e acordei com um corte acima do olho. Não nadei. E chorei muito por isso”, recorda. No dia seguinte, Joanna ainda foi ao parque olímpico e conseguiu se classificar para a final B dos 200m medley.

Após esse desfecho londrino, a nadadora parece ter incorporado novamente o espírito de uma atleta em começo de carreira. Resgatou a alegria, voltou à melhor forma. Na verdade, diz hoje que está ainda melhor. E seus tempos comprovam isso. Joanna voltou, por exemplo, a nadar os 400m medley abaixo dos 4min40, marca que a perseguiu por muito tempo. No Pan de Toronto, fez o melhor tempo da vida, 4m38s07. “Eu já competi, ao longo do tempo, as provas de todos os jeitos. Rindo, me colocando pressão, contando braçada, olhando para o placar (para ver o tempo), muito concentrada ou não concentrada. E eu me dei conta que, realmente, quando eu estou feliz, é quando eu nado melhor. E eu resolvi me permitir ser feliz”.