A suavidade de Jemima

Ela sorri até para discordar do adjetivo atribuído ao seu esporte, o judô. Sorri ainda mais ao lembrar das vitórias conquistadas no tatame, uma delas muito especial: sobre Eliane Pitanel. Uma luta em três capítulos que a levou à Olimpíada de Barcelona, em 1992. A primeira edição dos Jogos com a participação de mulheres da modalidade. Jemima Alves é a personagem deste domingo da série de reportagens Relíquias Olímpicas, com os pernambucanos que já participaram das Olimpíadas.

Jemima Alves é do tipo que sorri fácil. Faz graça com o esporte que escolheu para sua vida. “Dizem que judô é a arte suave. Suave? Estou procurando esse ‘suave’ até hoje. É dureza, viu”, conta, aos risos. Atleta desde os 16 anos, tornou-se professora e hoje coloca as crianças no caminho “suave” que decidiu seguir. Em Barcelona-1992, a pernambucana fez história. Na primeira vez em que as mulheres competiram oficialmente no judô em uma Olimpíada, lá estava ela, a única do Norte/Nordeste.

Não foi fácil chegar até lá. Jemima já se destacava no cenário do judô nacional, mas tinha adversárias duras em sua categoria (peso leve). Chegou com o moral de ser a atual campeã brasileira na primeira seletiva nacional para os Jogos. Das 12 participantes, foi a primeira colocada, confirmando o ótimo momento que vivia. Ela e mais duas judocas (Essaria Sena, do Rio de Janeiro, e Eliane Pitanel, do Rio Grande do Sul) se classificaram para uma segunda seletiva, na qual se enfrentaram num sistema todos contra todos. Mais uma vez, foi a melhor. Eliane ficou em segundo.

Hoje Jemima trabalha para formar novos judocas e, quem sabe, atletas olímpicos - Foto: Peu Ricardo/DP

Hoje Jemima trabalha para formar novos judocas e, quem sabe, atletas olímpicos – Foto: Peu Ricardo/DP

 

SELETIVA EXTRA

A seleção nacional de judô estava formada, mas foi necessária a realização de mais uma seletiva. Havia apenas uma vaga por categoria. Ela teria que enfrentar a segunda colocada e mais dura adversária, Eliane Pitanel. Jemima foi confiante para o Rio de Janeiro. Voltar para o Recife não estava nos planos dela, que levou bagagem completa para, uma semana depois, partir rumo à Europa. Detalhe: só embarcariam os representantes do Brasil na Olimpíada. “Fui de malas prontas pra viajar”, contou a judoca.

Pernambucana em ação na seletiva para os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992 - Foto: Arquivo/DP

Pernambucana em ação na seletiva para os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992 – Foto: Arquivo/DP

Era uma melhor de três. E o início não foi bom para a pernambucana. Ela perdeu a primeira luta. Não poderia errar na seguinte. E não errou. Venceu os outros dois combates e garantiu a presença em Barcelona. “Foi um combate muito duro. Já tinha perdido dela em competições anteriores. Eu ganhava uma vez, ela ganhava outra. Não foi fácil, só venci no finalzinho”, lembra Jemima.

Como titular da seleção, Jemima teve a preparação toda bancada pela Confederação Brasileira de Judô (CBJ). A modalidade já era um dos destaques da delegação brasileira. Antes de 1992, havia rendido ao país cinco medalhas. A grande conquista, por sinal, veio nos Jogos anteriores, em Seul-1988: o ouro de Aurélio Miguel. Por isso, o investimento nos atletas foi grande. Os judocas treinaram e competiram durante longos períodos em países da Europa e no Japão. Chegaram em Barcelona com dez dias de antecêndia para se adaptar.

DOIS MINUTOS

Foto: Arquivo/DP

Foto: Arquivo/DP

A participação da pernambucana no tatame durou pouco mais de dois minutos. Terminou com um harai goshi, um golpe clássico do judô, aplicado por Driulys González, uma talentosa judoca cubana de apenas 18 anos. Após o golpe, sofreu uma imobilização. “Estava lutando bem no início, puxando bem. Eu vinha ganhando a luta, mas fui ‘entrar’ e ela me deu um contragolpe de harai goshi, me derrubando e imobilizando. Não consegui sair”, lamenta. Sua adversária conquistou o bronze em Barcelona. Na Olimpíada seguinte, Atlanta-1996, seria medalha de ouro.

Experiência que foi muito além dos dois minutos

O término da participação de Jemima na competição não foi o fim da Olimpíada propriamente dito. Ela permaneceu na Vila Olímpica alguns dias e aproveitou a experiência. Torceu pelos companheiros de delegação no judô e se emocionou com um dos pontos altos da participação brasileira nos Jogos, a medalha de ouro de Rogério Sampaio. “Essa medalha foi muito importante para a gente. Rogério não tinha tido uma boa temporada, mas ele estava no dia dele, no auge. Nossa torcida foi grande e nos emocionamos com a conquista dele”, conta.

Hoje, Jemima repassa a “arte suave” para crianças. Sua experiência inspira os alunos. Seus ensinamentos vão além de golpes como o inesquecível harai goshi. “Passo para os meus atletas que, se um dia eu sonhei e consegui participar das olimpíadas, então eles também podem. Com dedicação e esforço. Sonhar apenas não basta. Tem que treinar e se dedicar bastante”, ressalta.

HISTÓRIA

Foto: Peu Ricardo

Foto: Peu Ricardo

Jemima está na história por ter feito parte da primeira geração de mulheres no judô em olimpíadas. Esteve ao lado, por exemplo, de Rosicléia Campos, hoje técnica da seleção brasileira, e Tânia Ishii, filha do primeiro medalhista olímpico do judô brasileiro, Chiaki Ishii, bronze em Munique-1972.

Fazer parte desse capítulo da história do judô brasileiro é motivo de orgulho para Jemima. Mais um motivo para aquele sorriso fácil, tantas vezes presente na entrevista, vir à tona. “Foi a primeira competição oficial do judô feminino numa olimpíada e eu estava lá. Assim como também fui a primeira atleta do Nordeste a fazer parte da seleção brasileira. Foi difícil chegar lá, porque sempre dava Rio, São Paulo e Minas”, diz a judoca. “Minha participação foi importante porque abriu espaço para os atletas  do nosso estado. Para que eles soubessem que têm condições de participar e disputar. As portas foram abertas.”

[ História

O judô é parte importantíssima da história do esporte brasileiro. É a modalidade individual que mais rendeu medalhas olímpicas para o país. São 19, sendo três ouros, três pratas e 13 bronzes. Uma vitoriosa história que começou em 1972, com o japonês naturalizado brasileiro Chiaki Ishii, que conquistou o bronze nos Jogos de Munique na categoria meio pesado. Em Seul-1988, veio o primeiro ouro, com Aurélio Miguel, feito repetido por Rogério Sampaio, de maneira surpreendente, em Barcelona-1992. Entre as mulheres, a história que Jemima e outras começaram teve novos capítulos vitoriosos. Em Pequim-2008, Ketleyn Quadros se tornou a primeira mulher brasileira a chegar ao pódio olímpico em um esporte individual, com o bronze. Em Londres- 2012, enfim, veio o sonhado e emocionante ouro, com Sarah Menezes, e mais um bronze, para Mayra Aguiar. Para o Rio-2016, a expectativa é que elas continuem fazendo história.