A primeira medalha de Pernambuco
Foi de ouro. E teve uma representatividade ímpar para o esporte nacional. A primeira medalha olímpica conquistada por um atleta pernambucano foi o sinal do surgimento do Brasil como potência do vôlei mundial. Nascido no Recife, André Falbo estava naquele time dourado que tinha Marcelo Negrão, Maurício, Tande, Carlão, Paulão… Não era conhecido por André, mas por Pampa, apelido que ganhou por conta da potência dos seus ataques. Ele é o quarto personagem da série Relíquias Olímpicas, que conta a história os atletas pernambucanos com passagem pelos Jogos Olímpicos.
Quando criança, a energia de André Felippe Falbo era tanta, que a mãe, dona Sílvia Regina, o colocou em várias atividades esportivas. Soltava o primogênito para correr nas areias da praia de Candeias, onde a família residia. Uma das primeiras modalidades praticadas pelo menino foi o judô. Sob os ensinamentos do sensei Nagai, André chegou até a faixa marrom e teve nas três irmãs – Fatinha (a quem chama carinhosamente de “Brotinho”), Renata e Roberta – suas sparrings prediletas.
Antes mesmo de completar 15 anos, porém, o judô já dividia a preferência de André. Nas areias, ele já batia umas peladas de vôlei de praia. Pela estatura e desenvoltura, não demorou a receber um convite para jogar no Colégio Boa Viagem. E foi lá que tudo começou de fato. André, à época com 16 anos, viria rapidamente a se transformar em Pampa, pernambucano campeão nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. O filho mais velho de dona Sílvia Regina e de seu José Maria Ferreira, o Zito (já falecidos). O primeiro do estado a trazer essa honraria para casa.
Barcelona, aliás, foi a segunda olimpíada do pernambucano. Ele foi um dos poucos remanescentes da seleção que disputou os Jogos de Seul, em 1988, quando teve uma participação efetiva. Foi ali que Pampa, com 1,98m, despontou. Era o calouro do grupo que tinha jogadores consagrados como Bernard, William, Montanaro e Renan. Foi eleito o melhor atacante dos Jogos e venceu também a premiação oferecida, anualmente, pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Com 24 anos, o atleta já era pai de Rafaella, nascida um ano antes. Com a vinda da filha e a convocação para Seul- 88, Pampa considera este ano olímpico como sendo mágico. “Cheguei na seleção com um caderninho na mão para pegar autógrafo dos caras. Eram meus ídolos. Uma comédia. E eu fiz os caras assinarem mesmo, embora eles comentassem que eu era um deles. Mas estava diante de vice-campeões olímpicos”, recorda.
A participação em Seul poderia ter rendido a primeira medalha olímpica ao atleta. O Brasil terminou em quarto. Perdeu a disputa do bronze num jogo disputado contra a Argentina, 3 sets a 2, tempos em que o esporte ainda tinha vantagem e a pontuação da vitória em cada set era de 15 pontos. As parciais: 15/10, 15/17, 15/8, 12/15 e 15/9. Batera na trave. Mas o futuro lhe reservava algo maior.
ATRITOS
A preparação para a Olimpíada de 1988 não foi tranquila. Pouco antes de a seleção embarcar para Seul, os atletas decidiram que o treinador sul-coreano Yong Wan Sohn deveria deixar o cargo. “Fizemos um abaixo-assinado. O time estava muito bem quando o assunto era meditação, mas a parte física estava terrível. Perdemos oito vezes para a Argentina e isso nunca havia acontecido”, explica. Quem assumiu o posto foi Bebeto de Freitas. Com a chegada dele, o time passou a treinar quase dez horas por dia.
Nesse período, Pampa sofreu ainda a perda do seu pai. Seu Zito sofreu um acidente automobilístico em frente ao hospital da Aeronática, na Avenida Boa Viagem. Recebeu a notícia enquanto treinava com a seleção brasileira na AABB, de São Paulo. “Ele era meu maior incentivador. Quando disse que queria ir embora do Recife, ele foi o primeiro a dar apoio”, lembra ele, que há seis anos perdeu também a sua mãe, que faleceu em virtude de um câncer.
“O time (da Olimpíada de Barcelona) era muito redondo. A gente jogava por música. Nunca vi uma equipe tão fechada”
Barcelona: talento e superstição
Na Olimpíada de Barcelona, em 1992, a seleção de vôlei estava bem mais preparada do que em Seul, quatro anos antes. Não era considerada candidata ao ouro. Na época, os holofotes estavam voltados para a Itália, tricampeã mundial, e Estados Unidos, bicampeão olímpico.
Comandado por José Roberto Guimarães, porém, o Brasil mostrou que estava jogando como uma orquestra. Ganhou respeito jogo a jogo. Fez uma campanha irretocável. Nas oito partidas que disputou, perdeu só três sets: para Rússia e Cuba, na fase classificatória; e outro para os Estados Unidos, na semifinal. Este, aliás, por culpa do próprio Pampa.
Não que ele tenha jogado mal. A sua responsabilidade foi ter esquecido da “marreca”. Tratava-se de uma boneca que o pernambucano desenhava em alguma parede antes dos jogos. A princípio, uma brincadeira. Mas que começou a ser levada a sério diante das vitórias.
Na partida contra os Estados Unidos, Pampa esqueceu de desenhar o amuleto. Foi lembrado disso após a derrota no primeiro set. “Giovane veio por trás, no banco de reservas, tocou nas minhas costas e falou: ‘Você esqueceu de fazer a marreca!’”, lembra Pampa. Imediatamente, ele correu até o vestiário e rabiscou o desenho. Resultado: Brasil 3 x 1 EUA. Superstição que não era a única nem de Pampa nem do grupo.
[ O apelido
André ganhou o apelido de Pampa pela força que tinha ao atacar a bola na quadra. Pela “cavalice”, sendo mais específico. Pampa é a denominação de uma espécie de cavalo da região Sul do país. Diziam que a sua cortada era tão forte quanto o coice de um cavalo Pampa. O apelido ficou até hoje.
A trajetória até o ouro em Barcelona 1992
Fase classificatória | Grupo B
26/7 – Brasil 3 x 0 Coreia do Sul
15/13, 16/14 e 15/7
28/7 – Brasil 3 x 1 Rússia
15/6, 15/7, 9/15 e 16/14
30/7 – Brasil 3 x 0 Holanda
15/11, 15/9 e 15/4
1/8 – Brasil 3 x 1 Cuba
15/6, 15/8, 12/15 e 15/8
3/8 – Brasil 3 x 0 Argélia
15/8, 15/13 e 15/9
Quartas-de-final
5/8 – Brasil 3 x 0 Japão
15/12, 15/5 e 15/12
Semifinal
7/8 – Brasil 3 x 1 EUA
12/15, 15/8, 15/9 e 15/12
Final
9/8 – Brasil 3 x 0 Holanda
15/12, 15/8 e 15/5
[ Superstições
Pampa lembra de outras “mandingas” alimentadas pelo timemedalha de ouro em Barcelona
CODINOME BEIJA-FLOR
Todas as vezes que Pampa voltava para a Vila Olímpica, costumava tirar um cochilo, no chão, com o pé direito em cima da cama (que simbolizava o Brasil) e o esquerdo no chão (o adversário), ao som da música Codinome Beija-flor. Ele dividia quarto com Carlão, que não se importava e até aceitava o ritual. “No terceiro ou quarto dia, a turma já não aguentava ouvir Cazuza. Eu só ouvia os gritos: ‘Tira essa música!’. Não tirei nem por cem.”
LUGAR MARCADO
Com tudo conspirando a favor do Brasil na Olimpíada de Barcelona, Pampa e os seus companheiros passaram a repetir os mesmos passos. Durante as refeições, ele sentava sempre ao lado de Carlão e Marcelo Negrão. Foi assim até o fim dos Jogos. Dentro do ônibus que levava o time para treinos e jogos, a mesma coisa. Não havia troca de cadeiras. Cada um que decorasse o parceiro do lado esquerdo e direito.
TANDE, O BARBUDO
O ponta Tande chegou em Barcelona, para a Olimpíada, com o rosto limpo, sem barba. Pretendia mantê-lo assim durante os Jogos Olímpicos. Durante a competição, veio a coincidência que mudou os planos. Tande esqueceu de fazer a barba em um dia de jogo e o Brasil venceu. Pronto. Bastou para os atletas associarem isso às conquistas dentro da quadra. O atleta permaneceu barbudo até o jogo decisivo contra a Holanda.