As escalas de Jessé Farias
“Em 1998, eu já vinha pensando nessa possibilidade (de deixar o Recife). Mas era algo ainda sutil. Não sabia como as coisas funcionavam exatamente em São Paulo, que era onde o atletismo estava concentrado.” É assim que Jessé Farias de Lima recorda daquele que foi o passo mais decisivo da sua vida esportiva. Revive, hoje, os receios e as dúvidas de 18 anos atrás. O ponto de partida para uma história cheia de barreiras, sem arrependimentos. Neste domingo, a série Relíquias Olímpicas conta a história desse pernambucano de pernas longas e sorriso fácil, que deixou uma vida para trás em busca do sonho de participar de uma olimpíada. Um sonho duplamente realizado.”
Ninguém fez convite para Jessé Farias de Lima deixar Pernambuco e seguir para São Paulo, em 2000. A decisão foi dele. Respaldado pelos excelentes resultados da temporada de 1999, quando ainda pertencia à categoria juvenil, na prova do salto em altura. Ele só esperou concluir o terceiro ano do ensino médio no Colégio Boa Viagem, onde era bolsista, para fazer as malas. Com 19 anos e dez meses, deixou para trás a família – o pai Guga, a avó Quitéria e os irmãos Jonas e Moisés – e a deficitária estrutura de treinamento do Santos Dumont.
Na época, seu treinador, Fernando Brito, ainda tentou demovê-lo da ideia, mas Jessé sentiu que aquela era a melhor hora. Era o momento de arriscar. Sabia que, embora não tivesse recebido um convite formal, vários clubes estavam de olho em suas marcas. Foi bicampeão brasileiro e sul-americano, além de 4º lugar no Campeonato Mundial juvenil de atletismo, disputado em Santiago, no Chile. “Minha vinda para São Paulo foi sem certeza de nada. Não sabia se conseguiria um clube, tinha pouco mais de R$ 350,00 no bolso. Gastei quase R$ 300,00 só na passagem Recife/São Paulo. Mas queria buscar melhor suporte financeiro, maior número e nível de competições e melhores condições de treinamento”, conta.
Assim que chegou em São Paulo, Jessé foi atrás de um clube e um treinador. Tinha que dar prosseguimento aos bons resultados e Brito não poderia dar a assistência a distância. Foi necessário perseverança. Passou seis meses sem técnico e local definido para treinar. “Eu tinha duas opções: não treinar por não ter treinador e suporte financeiro ou seguir treinando sem suporte”, recorda.
OS TREINOS
O saltador passou a montar os próprios treinos com base na experiência adquirida ao longo da carreira e traduzindo artigos sobre salto em altura – geralmente, em inglês, idioma que ele não dominava. “Traduzia na unha mesmo”, diz. “Eu também tinha uma câmera, que havia comprado ainda quando morava em Recife. O que aprendia com os estudos aplicava nos treinamentos e nas análises dos vídeos. Eu filmava a maioria dos treinos de técnica, saltava e, logo em seguida, pegava a câmera e analisava o salto. Via o que tinha errado e repetia o processo. E assim fui seguindo”, revela.
A fase solitária de treino, em São Paulo, rendeu frutos. Ao sair do Recife, no final de 1999, Jessé estava saltando 2,23m. Após seis meses nas pistas paulistas, alcançou 2,25m. Começou a se aproximar do recorde brasileiro adulto (2,27m) e do sonho de estar na delegação nacional que iria aos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Que ficou mais palpável quando, em julho de 2001, passou a fazer parte da equipe do Clube BM&F (Clube de Atletismo BM&F Bovespa).
“Em Pequim, perdi a oportunidade de trazer uma medalha. Vejo isso como fato. Pois estava bem preparado fisicamente e tecnicamente. Caso tivesse competido um pouco antes dos Jogos e meu treinador estivesse comigo lá, o resultado poderia ter sido diferente”
Atenas: a realização do sonho
Adaptado ao novo clube, Jessé partiu em busca do índice. Sabia que a participação em Atenas-2004 faria a diferença em sua vida. Havia duas formas para chegar à Grécia. Saltar por duas vezes a altura de 2,27m (índice B) ou um salto de 2,30m (índice A).
Durante o Estadual Paulista de 2002, conseguiu 2,27m, o novo recorde brasileiro. “Apesar da boa marca, ela não valia como índice. Teria de repetir no ano dos Jogos”, explica. Pouco antes da Olimpíada, teve a oportunidade de competir na Europa pela primeira vez. Entretanto, o clube só pagaria parte da passagem e o salário. Jessé precisava custear o resto do próprio bolso.
Jessé foi para a Europa. Lá, teve a oportunidade de conhecer o treinador russo Robert Zokko. Convidou-o para ser o seu técnico. Bancou os custos para permanecer por três meses. Decidiu ficar mais tempo. Com isso, a validade da passagem expirou. Sem dinheiro para comprar a passagem de volta, Jessé precisou competir em duas provas, conquistar bons resultados e assim conseguir a verba por meio dos prêmios. Obteve, mas a volta ao Brasil aconteceu da maneira mais triste possível. No início de fevereiro de 2004, o técnico Robert Zokko falaceu.
Mas o trabalho tinha que seguir. E Jessé estava bem preparado e confiante. Com a base bem feita, e com a continuidade dos treinos no Brasil, não tardou para conseguir repetir o índice B, assegurado numa competição na Polônia.
PEQUIM: A ÚLTIMA ESCALA
A classificação para os Jogos de Pequim foi mais tranquila. Jessé fez o índice no GP de Uberlândia (2,30m), mas o restante da programação não saiu como planejado. “A previsão era fazer o índice em maio (o que aconteceu) e competir no Troféu Brasil com um pouco de carga. “Estava saltando 2,28m – com sobrecarga de treino. Isso era muito bom porque a expectativa era de saltar mais de 2,30m na Olimpíada”, recorda Jessé Farias.
Só que os ajustes técnicos que deveriam ser feitos na Europa não ocorreram e o saltador ficou sem competir após o Troféu Brasil, realizado em 28 de junho. Foram mais de 45 dias “parado” antes de desembarcar na China. No Ninho do Passáro, Jessé atigiu a marca de 2,20m, ficando na 10ª posição geral no salto em altura.
“Em Pequim, perdi a oportunidade de trazer uma medalha. Vejo isso como fato, pois estava bem preparado fisicamente e tecnicamente. Caso tivesse competido um pouco antes dos Jogos e meu treinador estivesse comigo lá, o resultado poderia ter sido diferente”, afirma.
Os resultados seguintes aos Jogos mostram que Jessé tinha razão. Ele atingiu a marca de 2,31m no Meeting de Padova, na Itália. Dois dias depois, chegou a 2,32m em Lausanne, Suíça. Essa marca o deixaria com a 4ª posição nos Jogos Olímpicos de Pequim. “Nas duas competições, enfrentei problemas com variações técnicas. Mas não cometi erros consecutivos em alturas mais baixas”, relembra. Depois da Olimpíada de Pequim, Jessé foi, aos poucos, devido à lesões seguidas e cirurgias, afastando-se das pistas.
1996
Vice-campeão dos Jogos da Juventude – 14 e 15 Anos
1997
Campeão dos Jogos da Juventude – 16 Anos
1999/2000
Bicampeão Brasileiro Juvenil
Bicampeão Sul-Americano Juvenil
Campeão Pan-Americano Juvenil
2003/2004/2006/2007/2008/2009 e 2010
Heptacampeão do Troféu Brasil Caixa de Atletismo (Campeonato Brasileiro Adulto)
2006/2008
Bicampeão Ibero-Americano
2001/2006/2007 e 2009
Tetracampeão Sul-Americano Adulto
6º colocado
Santo Domingo 2003
4º colocado
Rio de Janeiro 2007
5º colocado
Copa do Mundo de Atletismo
13º
Osaka 2007
13º
Berlim 2009
17º
Atenas-2004
10º
Beijing-2008
“O esporte tem um poder transformador em todos os aspectos da vida de um jovem. Foi assim comigo e assim poderá ser com muitos”