Enquanto o trabalhador está adoentado e em gozo do auxílio-doença, não há motivo para se preocupar com o patrão. A própria CLT garante que o contrato de trabalho fica suspenso e, se o benefício for acidentário, o empregado ainda tem um ano de estabilidade a partir de quando voltar para a empresa. O problema que atormenta muita gente começa quando o auxílio-doença é interrompido pelo INSS, com a alta programada, mesmo o trabalhador sabendo que ainda está doente e incapaz para retomar seus afazeres profissionais. Numa situação dessas, o empregador, se aproveitando do momento de incerteza, pode aplicar justa causa por abandono de emprego? A resposta vai depender do comportamento do empregado.
Já virou marca registrada do INSS sua relutância em reconhecer os direitos alheios. Em matéria de manutenção de auxílio-doença, benefício que mais cresce nos últimos anos e consome mais de R$ 5,5 bilhões do orçamento da Previdência, esse é um dos mais hostilizados pelo Instituto, o que reflete em altas médicas antes da hora. Portanto, é corriqueira a situação de o empregado ficar desacobertado sem benefício, correndo o risco de levar uma justa causa.
Embora a lei trabalhista não fixe critério objetivo para o abandono de emprego, a jurisprudência tratou de fazê-lo. A Súmula 32 do Tribunal Superior do Trabalho define: “presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer”.
Muito cuidado nessa hora! O trabalhador não pode cochilar no ponto. Se há a vontade de o empregado contestar administrativamente no INSS, utilizando os meios cabíveis (como pedido de prorrogação, pedido de reconsideração ou os recursos) para combater decisão que cortou o auxílio-doença, deve então prosseguir nesse intento. E avisar ao patrão da briga travada contra a Previdência Social. Alguns fazem esse comunicado verbalmente. É melhor mandar um e-mail ou carta registrada, para evitar eventual amnésia do patrão.
No entanto, existem casos que o restabelecimento do auxílio-doença só tem chances se for pela via judicial. O empregado deve ficar atento com alguns detalhes. Primeiramente, com a própria demora em procurar a Justiça. Tem gente que leve um “não” do INSS e só vai procurar o advogado meses ou anos depois. Se assim o fez por impossibilidade de saúde, ainda é contornável e justificável. Fica mais difícil de reverter uma penalidade trabalhista de justa causa, quando a demora decorre de acomodação, desconhecimento ou desinteresse.
Outro problema é a demora do SUS. Uma contenda judicial às vezes necessita de prévio parecer médico atestando que a doença e a incapacidade permanecem, a fim de rebater a alta médica precipitada do INSS. Obter laudo médico atualizado no posto de saúde, portanto, pode consumir muito tempo. As grandes filas e falta de médico podem estourar os 30 dias reconhecidos como suficientes para aplicar justa causa. Neste caso, é bom guardar o cartão de agendamento ou a guia de consulta para provar que a demora foi do sistema público de saúde.
Já a Justiça, embora necessária, é outra que demora muito tempo para dar uma posição ao trabalhador, mesmo quando se pede a antecipação do julgamento em caráter de urgência. Ainda que a questão esteja sub judice, o patrão precisa saber que o problema está sendo discutido no Judiciário. O ajuizamento da ação não é garantia de que o empregado vai ficar imune a justa causa.
É ônus do trabalhador informar para a empresa, em tempo hábil e com base em laudo ou parecer médico ou mesmo a numeração do processo judicial, que o seu estado de saúde não lhe permite retornar ao posto de trabalho, ainda que o INSS tenha reconhecido a inexistência de doença.
Com a cessação do auxílio-doença, o empregado deve deixar o patrão a par do que vem acontecendo, isto é, das principais medidas que estão sendo tomadas para combater o ato do INSS. Se o empregado é relapso nessa comunicação, essa atitude pode ser interpretada como o desinteresse em voltar ao posto de trabalho, sendo desnecessário convite de volta ao trabalho, e ainda incidir na hipótese do abandono de emprego. Até a próxima.