Para quem não sabe, o EPI é o conhecido equipamento de proteção individual, a exemplo de: luvas, óculos, capacete, cinta lombar, protetor auricular e fardamento. Quando você trabalha com insalubridade ou periculosidade, esses equipamentos podem atenuar e proteger o trabalhador contra risco de adoecimento ou morte. Os empregados recebem do patrão um formulário (chamado Perfil Profissiográfico Previdenciário) constando esse detalhe e a informação da eficácia do EPI, a fim de ser usado no INSS e antecipar a aposentadoria. Por muito tempo, mesmo o empregado usando o EPI, a Justiça não dava muita atenção para a eficácia do produto. Depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento do ARE 664.335/SC em 04/12/2014 que o EPI pode ser eficaz para quem trabalha com ruído, a ponto de inviabilizar a antecipação da aposentadoria, alguns juízes estão pegando esse exemplo para aplicar irrestritamente nos demais casos de agentes nocivos, como energia elétrica, explosivos, inflamável, agentes biológicos, radioativos, entre outros.
Usando esse raciocínio de que a decisão do STF é abrangente a todos os casos de insalubridade ou periculosidade, recentemente a Justiça Federal de Pernambuco proferiu a absurda decisão de que a informação de “EPI eficaz” (marcada no PPP) seria suficiente para neutralizar os efeitos de quem trabalha com alta tensão em subestação, com voltagem de 250v, 480v ou 13.800v. No processo n.º 0504061-34.2013.4.05.8302, a relatora da 3.ª Turma Recursal de Pernambuco, Polyana Falcão Brito, entendeu que “a partir de regras de experiência comum, não me parece provável que o uso de EPI, qualquer que seja ele, neutralize o risco ocasionado pelo contado direto com tensões elétricas elevadas. No entanto, ao excepcionar exclusivamente o agente nocivo “ruído” da possibilidade de eliminação de efeitos, silenciando relativamente aos demais agentes nocivos (inclusive a eletricidade), a Suprema Corte chegou a entendimento diferente deste, que pelo princípio da segurança jurídica há de ser prestigiado por esta magistrada”.
No caso, a magistrada entende que o EPI para casos de eletricidade não é suficiente para evitar a morte do trabalhador por descarga elétrica, mas decidiu negativamente por entender que o STF – ao ser omisso a abrangências dos agentes nocivos – aplicaria o entendimento para todos os outros casos em nome do princípio da segurança jurídica. Embora seja de Pernambuco, esse raciocínio está sendo repetido em vários outros estados do país.
Se prevalecer esse entendimento, milhares de trabalhadores expostos a insalubridade ou periculosidade vão ter mais dificuldade ou mesmo impedidos de ter acesso a aposentadoria especial (sem fator previdenciário) ou converter o tempo especial em tempo comum, manobra que antecipa a aposentadoria, já que o homem ganha um plus de 40% na contagem do tempo de contribuição e a mulher 20%.
O caso é absurdo por várias razões. Os diferentes não podem ser tratados de modo diferente; essa é a essência do princípio da isonomia. O fato de o STF ter julgado questão de ruído, isso não autoriza comparar com outras situações, principalmente com casos de periculosidade. O ruído é um agente que pode ser abrandando com o uso de EPI, mas, mesmo assim, o STF decidiu que se a jornada laboral ultrapassar o limite de tolerância fixado pela norma regulamentar 15 (anexo I) do Ministério do Trabalho não adiantaria o uso do EPI. Assim, a eficácia do EPI de quem trabalha com ruído não é a mesma de quem trabalha com outro agente mais agressivo.
Mesmo com luva estéril, a enfermeira pode levar uma furada com agulha contaminada de HIV. Com o capacete, o pedreiro pode morrer com a queda de objeto de grande porte na cabeça. Nem sempre a luva isolante evita o choque e a morte de quem trabalha com alta tensão. O capote do operador de raio-X não é totalmente eficaz para evitar a radiação. Uma explosão no posto de combustível não pouparia o frentista se estivesse com todos os EPI’s.
Portanto, a multiplicação de decisões absurdas como essa podem dificultar sobremaneira a vida de pessoas que almejam receber aposentadoria especial ou fazer a conversão do tempo.
O simples fato de o patrão preencher dentro do PPP de que o uso de EPI é eficaz não resolve a questão. Principalmente quando empregadores, que sonegam o pagamento da insalubridade ou periculosidade, propositalmente preenche o PPP com informações inverídicas. A neutralização do agente nocivo ou o controle dos níveis de tolerância adequados dependem de uma série de fatores, como estabelece a Norma Regulamentar n.º 06 do MTE.
Para o EPI ser considerado verdadeiramente eficaz, precisa observar alguns pontos da NR 06, como: a jornada laboral em casos de ruído; exigir que o empregado use; que o patrão compre o EPI adequado ao risco de cada atividade; fornecer ao trabalhador somente o aprovado pelo órgão nacional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho; que o produto esteja certificado corretamente, para evitar produtos sem qualidade da China; o patrão deve orientar e treinar o trabalhador sobre o uso adequado, guarda e conservação; respeitar o prazo de validade; substituir imediatamente, quando danificado ou extraviado; responsabilizar-se pela higienização e manutenção periódica; comunicar ao MTE qualquer irregularidade observada e registrar o seu fornecimento ao trabalhador, podendo ser adotados livros de recebimento do EPI.
Com base no princípio in dubio pro misero, os juízes poderiam julgar favoravelmente ao segurado todas as vezes que essas questões da NR 06 não fossem superadas. Agindo assim, o juiz federal da Turma Recursal do Paraná, Jose Antônio Savaris, no processo nº 5005117-43.2012.404.7007, em 25/02/2015, entendeu que, tendo em vista as teses fixadas pelo STF no ARE 664.335, a mera declaração do empregador no PPP informando o uso de EPI eficaz não importa em comprovação da neutralização do agente nocivo, quando não demonstrados os requisitos da NR-06.
De acordo com Savaris, “o Supremo Tribunal Federal do ARE 664335 (Rel. Min. Luiz Fux) recentemente decidiu que “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial. No caso dos autos, embora o PPP ateste a implementação de EPI eficaz, não restou demonstrado que os equipamentos eram efetivamente utilizados pelos empregados e que de fato eliminassem o risco e a insalubridade a que estavam expostos, notadamente em relação ao agente eletricidade”. Até a próxima.