Algumas pessoas que têm processo na Justiça podem ser beneficiar de artifício processual que consiste em receber o pagamento de um direito, antes mesmo de finalizar toda celeuma. A antecipação dos efeitos da tutela é um ato do juiz por meio de decisão que adianta, total ou parcialmente, os efeitos do seu julgamento, na primeira instância ou noutra fase do processo. Se por um lado é bom que o dinheiro chega logo no bolso, principalmente dentro de uma Justiça cada vez mais demorada, por outro lado existe o risco de o INSS querer cobrar por meio de ação regressiva os valores já pagos, caso a decisão seja posteriormente reformada. Esse é o caso de muitos que têm um auxílio-doença restabelecido no Judiciário, uma desaposentação autorizada por meio de tutela de evidência ou mesmo a pensão por morte, entre outros casos.
Até o ano de 2015, havia entendimento no STJ de que não havia obrigação de devolver dinheiro, cuja ordem partiu de um juiz, ainda que em caráter provisório. O posicionamento era pela impossibilidade de devolver valores de benefício previdenciário com base na boa-fé do segurado e no caráter alimentar das prestações. E, com isso, não se aplicava as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99, mas somente em casos de má-fé. Por muito tempo várias turmas do STJ defendiam esse entendimento, a exemplo da Primeira Turma (AI 849529 AgR/SC) e Segunda Turma (AgRg no REsp 1304629/TO).
No entanto, nem tudo no Judiciário é definitivo. Basta mudar a composição dos ministros que novos entendimentos, antes sedimentados, podem se esvair. E infelizmente neste caso ocorreu e de maneira negativa. Em outubro/2015, novo encontro dos ministros do STJ julgou um caso de tutela antecipada revogada e obrigou o trabalhador a devolver a dinheirama. Além de afetar a vida deste segurado em específico, a decisão foi dada para ser seguida em todo país, em questões idênticas, por ser em grau de recurso repetitivo (REsp 1401560/MT – ver resumo da decisão).
Assim, todos que tiveram a tutela antecipada, posteriormente revogada, podem ser obrigados a devolver o dinheiro recebido. É verdade que quem não tem respaldo financeiro, a exemplo de pessoas muito pobres, cuja única renda é o benefício em um salário mínimo, não precisam se preocupar com uma penhora de veículo ou segunda residência. Todavia, o INSS pode querer fazer descontos de 30% para amortizar o “débito”. É importante destacar que existe um teto de R$ 20 mil para se perdoar dívidas previdenciárias. É que o INSS em tese somente se preocupa com os grandes devedores, muito embora nada impede que um defensor do Instituto queira ignorar esse referência e tocar a cobrança de valores inferiores a esse patamar.
O limite mínimo para ajuizar execuções fiscais é de R$ 20 mil em relação a débitos para com o Fisco e, sendo assim, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional não vai atrás desses “devedores”. A ideia é que, ao invés de perder tempo correndo atrás de débitos de R$ 10 ou 20 mil, os advogados públicos priorizem a cobrança de processos de “milhões” de grandes empresas. Por fim, é bom lembrar que o INSS não pode cobrar tais valores se já passou o prazo de 10 anos. E, se resolver cobrar no prazo, apenas os últimos 5 anos estão passíveis de devolução. Até a próxima.
Veja decisão do STJ que disciplina o assunto:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e provido”. (STJ. REsp 1401560/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015)