FILME Erin Brockovich: metal pesado causou câncer em ex-trabalhadores e vizinhança

 

Via de regra, o câncer é tratado nos postos do INSS como doença congênita ou herança de família, descartando-se, assim, qualquer correlação com o meio-ambiente laboral. Por conta disso, ao invés de se conceder benefício acidentário, se paga outro diverso. Essa semana um estudo publicado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) começa a mudar esse cenário, na medida em que dá sua parcela de contribuição para a sociedade, elencando com autoridade lista de 19 diferentes tipos de cânceres associados ao trabalho.

Para facilitar a identificação da relação doença-trabalho, o Inca traça os tipos de câncer e o ambiente de trabalho insalubre, já que 80% da etiologia dos casos de câncer estão relacionados a fatores ambientais, entre eles o labor. É o chamado câncer ocupacional. De acordo com a publicação, cerca de 19 tipos de tumores (a exemplo dos de pulmão, pele, fígado, laringe, bexiga, mama e leucemias) estão relacionados à ocupação e ao ambiente de trabalho.

A madame, que semanalmente vai ao cabeleireiro dar uma renovada no visual, não sabe que a tintura é um composto químico que expõe ela e os profissionais que a manipulam. O cabeleireiro está na lista de profissionais expostos a substâncias cancerígenas a longo prazo, a exemplo de outras profissões, como as de piloto de avião, comissário de bordo, farmacêutico, químico e enfermeiros.

Profissões que tenha contato com metais pesados (arsênio, titânio, estanho, chumbo, mercúrio, alumínio, tungstênio, cádmio, ferro, potássio, cálcio, zinco, cobre, níquel, sódio, magnésio, cromo, ferro, zinco, cobalto, níquel e manganês) também são arriscadas. Exemplo são as atividades industriais, como as indústrias de
mineração, galvanoplastias, indústrias de ferro, lavanderias, indústrias de petróleo, curtimento de couro (geração de resíduos sólidos e líquidos e resíduos
de cromo).

O estudo do Inca é de grande valia principalmente para órgãos públicos, como o INSS e o Ministério do Trabalho, atualizarem suas relações de doenças com natureza laboral, que estão ultrapassadas. O Anexo II do Decreto n.º 3.048/99 do INSS, que traça os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, está há 13 anos sem renovação. A Norma Regulamentar n.º 15 do Ministério do Trabalho, que define a insalubridade para o trabalhador ganhar na Justiça, está intacta há 17 anos.

A falta de atualização de dados científicos atrapalha a sociedade. Por exemplo, até uma criança sabe que o carteiro, aquele que trabalha diariamente a céu aberto, está exposto sobremaneira aos raios ultravioletas de origem solar. No futuro, provavelmente ele vai ter câncer de pele. Mesmo assim, a Justiça do Trabalho costuma negar insalubridade sob a justificativa de que a NR-15 não foi  atualizada.

É muito difícil estabelecer o nexo causal do câncer com a atividade profissional. Muitas vezes falta tempo na perícia médica previdenciária de se investigar o histórico profissional daquele segurado ou porque a rescisão do empregador (que contribuiu com o surgimento da doença) se deu há muito tempo. A demora da manifestação da patologia normalmente faz descartar que aquela empresa, de tantos anos atrás, colaborou para eclosão da doença. Além de tudo, há ignorância.

Indenização na Justiça do Trabalho por doença ocupacional começa a partir do descobrimento inequívoco do trabalhador.

A dificuldade de estabelecer a relação do câncer com o trabalho foi mostrada no filme “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”. Baseado em fatos reais, o filme mostra num cidade americana a contaminação por indústria química, que trabalhava com o metal pesado (cromo), e suas consequências na vizinhança e ex-trabalhadores, que passaram a sofrer de câncer. A personagem, interpretada pela atriz Julia Roberts, faz investigação minuciosa e consegue comprovar a causalidade da patologia nos arredores da fábrica, levando o caso aos Tribunais e conquistado indenização milionária para mais de 300 pessoas.

Embora contada em filme, a história não está longe da realidade. No Brasil, houve vazamento de 4 milhões de litros de derivados do petróleo por parte da Refinaria Getúlio Vargas, da Petrobras, que atingiram os rios Barigui e Iguaçu, bem como toda comunidade ribeirinha.

Reconhecendo a relação do câncer com o trabalho, o segurado pode ter consequências trabalhistas (como indenização civil, recolhimento de FGTS posterior ao afastamento, pagamento de tratamento médico e plano de saúde) e previdenciária (como a estabilidade acidentária de 12 meses, auxílio-doença ou invalidez acidentária). Até a próxima.