Depois de anos sofrendo campanha difamatória perante a sociedade, o fator previdenciário tornou-se o inimigo número um dos aposentados. E com razão. Desde que foi criado em 1999, várias tentativas almejavam extirpá-lo do universo das leis, seja via Congresso Nacional ou Supremo Tribunal Federal. Nesse período, segurados – que suaram por décadas para contribuir da melhor forma ao INSS – simplesmente viram sua renda desaparecer em até 20%, 30% ou 50% quando a fórmula matemática entrava em cena. Enquanto o fator previdenciário existiu sozinho, a ideia era acabá-lo ou criar uma regra substitutiva e mais benéfica. E, assim, eis que em 2015 de fato surge a novidade do fator 85/95 progressivo, concebido para vigorar em coexistência com a sistemática antiga. Temeroso que prosperasse a extinção reivindicada, principalmente em época de instabilidade política, o Governo preferiu editar a Medida Provisória n.º 676/2015, convertida em 4 de novembro de 2015 na Lei n.º 13.183. Mas, afinal, o fator 85/95 é motivo de comemoração ou representa uma ameaça de, paulatinamente, se criar no Brasil uma idade mínima para aposentadorias por tempo de contribuição?
Durante os anos de 2018 a 2026, se dá a progressividade do fator 85/95, na qual vai se acrescentando um ponto a cada dois anos de intervalo, a exemplo dos fatores 86/96 (em 2018), 87/97 (2020), 88/98 (2022), 89/99 (2024) e 90/100 (2026). Para a nova regra, sempre o Governo vai exigir o requisito habitual do tempo de contribuição: 35 anos de pagamento para o homem e 30 anos para a mulher. Os professores do ensino médio, fundamental e básico são compensados em cinco anos. O diferencial para ter acesso ao benefício integral é, portanto, o amadurecimento da idade do trabalhador, algo que o fator previdenciário não vinha conseguindo evitar. Principalmente para quem começou a laborar muito cedo e com perfil contributivo no patamar de um salário mínimo.
Para essas pessoas, o fator previdenciário nunca representou ameaça, já que o INSS tinha e tem que respeitar o pagamento do salário mínimo. O melhor exemplo disso é aquele jovem que inicia no mercado de trabalho aos 18 anos e, initerruptamente, contribui para o regime geral, situação que lhe pode conferir aposentadoria aos 48 anos (se mulher) ou 53 anos (se homem). Diga-se de passagem que cerca de 70% dos benefícios pagos pelo Instituto são pelo teto mínimo.
A nova regra só estaciona sua progressão a partir do ano de 2026, quando os homens precisam ter, no mínimo, 65 anos de idade e as mulheres careceriam de 60 anos. Por essa metodologia, necessariamente o trabalhador necessita ter quantitativo de idade elevado ou mesmo contribuições em excesso que possam compensar a insuficiência da idade quando for dar entrada no benefício. Quem trabalha com exposição a ambiente insalutífero ou periculoso, por exemplo, tem melhores condições de conseguir acumular excesso na contagem do tempo, já que milita em favor dela o tempo fictício. Esses profissionais – caso não tenham 25 anos trabalhados nessa área para pleitear a aposentadoria especial – podem ganhar incremento de 40% na contagem do tempo de contribuição para os de sexo masculino e 20% para o público feminino.
Coincidentemente, a combinação final do fator 90/100 exige que o trabalhador atinja requisito etário semelhante à realidade de países europeus, cujas regras sempre serviram de inspiração e ideal para a cúpula do Ministério da Previdência Social. A idade mínima de 65 anos há muito é praticada em países como Alemanha, Bélgica, Holanda, Japão e Reino Unido. Além disso, é pujante o argumento segundo o qual o Brasil é um dos poucos países que não pratica a idade mínima como regra basal da aposentadoria por tempo de contribuição. Pesa a favor da reforma etária aspectos como o arguido déficit das contas públicas e o da realidade demográfica brasileira trilhar para o envelhecimento inexorável, conforme estatísticas anuais do IBGE.
Festejado por ser a esperança de quem quer se aposentar ganhando mais, o fator 85/95 foi introduzido como mudança positiva. Apesar de benefício integral (o grande trunfo de quem vai atrás da regra nova) não ser sinônimo do último salário recebido pelo empregado, mas a média salarial de todos os salários de contribuição desde julho/1994 até o pedido do benefício (com correção e dedução dos 20% menores salários do histórico), o somatório de idade mais tempo já permite que muitos segurados tenham uma renda imediata, sem tanta depreciação financeira, e preservando o padrão salarial da família.
O grande problema, contudo, vai ser se o Governo resolver jogar uma pá de cal no fator previdenciário, ocasião em que o fator 85/95 reinaria sozinho. Tal manobra instituiria uma espécie de “pedalada previdenciária”, pois propiciaria a idade mínima para aposentação no Brasil. O Governo acabaria com a regra que sempre foi odiada pela maioria de aposentados e deixava vigorar apenas a regra nova, rotulada por sua vez como benéfica e viabilizadora do benefício “integral”. E isso não é tão improvável de acontecer. Por mais de uma década, ficou inculcado na mente dos trabalhadores que o fator previdenciário era algo nocivo. Seria difícil, a essa altura, a assimilação para milhões de aposentados que, diante da conjuntura atual, o melhor hoje é que não se acabe com aquilo que sempre foi odiado. A permanência do fator previdenciário seria algo imprescindível em tempos de fator 85/95.
E não demorou muito para o próprio Governo começar a falar em mudança e na criação da idade mínima na aposentadoria por tempo de contribuição. Sequer a população se acostumou com as novidades da Lei n.º 13.183/2015, o Ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, em eventos públicos, já deu sinais de que não muito distante o Governo proporá o requisito da idade mínima para aposentadoria. A equipe econômica da presidente Dilma defende um piso de 60 anos para mulheres e de 65 anos para homens, sob o argumento de o país ser um dos poucos do mundo a não ter o limite de faixa etária, além da necessidade de ajuste fiscal e de sobrevivência do próprio regime geral da Previdência Social.
Dessa forma, mais do que nunca o fator previdenciário deve ser preservado na legislação vigente e vindoura. Não apenas por possibilitar mais opção ao cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, como também para evitar que os trabalhadores tornem-se refém de se aposentar somente se conseguirem atingir quantitativo mínimo da idade. A regra antiga pode até trazer diminuição da renda em função da expectativa de vida, mas em compensação nunca foi obstáculo absoluto para o acesso à renda previdenciária. Ao que tudo indica, no Brasil, o cálculo progressivo da fórmula 85/95 vai sofrer novas mudanças em poucos anos para instituir de uma vez por todas a idade mínima. O novo fator pode ser o início desse objetivo.