FAXINA DOMÉSTICA: cuidado para não jogar a prova no lixo

Depois que chega a aposentadoria, o que justifica guardar papel velho, como os contracheques de 10 anos atrás? As esposas nessa hora exercem papel fundamental em pressionar o marido a fazer o desapego e jogar os papéis no lixo. Principalmente porque muitas delas usam o argumento de que, na área do Direito, só é preciso guardar documentos dos últimos 5 anos. Assim, por que ocupar espaço no apartamento e manter no baú CTPS pré-histórica, contracheques amarelados e carnês do INSS cheio de traças?

A faxina nos documentos é algo que exige cautela. Um papel velho que foi indevidamente jogado no balde pode representar prejuízo de centenas ou milhares de reais. Quem é advogado certamente já testemunhou diversas vezes o prejuízo que muitos clientes tomaram por não terem guardado aquele “papel inútil”.

De fato, existem documentos que perdem a serventia quando ultrapassado o período de 5 anos. As mulheres estão certas em parte. Existem outros tantos que justificam ser preservados por longos anos. Na dúvida, é melhor guardá-los. Por exemplo, para quem se enquadra nos casos de juros progressivos, os extratos do FGTS e os depósitos da conta fundiária devem ser cuidadosamente guardados por incríveis 30 anos. Nas ações das cadernetas de poupança, quem diria que os extratos bancários fossem fazer a diferença depois de 20 anos.

Na área previdenciária, quanto mais antigo o benefício, mais provável que a velharia vá ser necessária, principalmente se a concessão foi anterior a 27.06.1997. É que para esses casos o STJ entende que o aposentado ou pensionista podem reivindicar ainda hoje seus direitos, mesmo que já tenha passado 20 ou 30 anos do primeiro pagamento feito pelo INSS. Nessa hipótese, o marido terá que ter muito jogo de cintura para guardar documentos como contracheques, CTPS e/ou carnês.

Fora esse caso, a lei previdenciária fixa que o segurado tem o prazo de 10 anos para reivindicar seus direitos, a começar pela concessão do benefício. Para reivindicar e ganhar a ação na Justiça, necessário ter provas; não só dos últimos 10 anos, mas também de período que embasaram o cálculo da aposentadoria, o que normalmente retroage a 36 ou 48 meses. Por exemplo, quem se aposentou após julho/1994, deve preservar documentos a partir dessa data, pois eles são determinantes para efeito de cálculo da renda do benefício até a data atual. Numa revisão do benefício na Justiça, vai ser necessário esse resgate de provas.

No caso de quem vive em união estável, a guarda de documentos não representa uma mania, mas uma precaução efetiva de se conquistar um direito. É possível obter um direito, independente de documentos. Todavia, a situação se torna mais difícil, o que pode levar inclusive ao insucesso. Fotografias, recibos, carteira de plano de saúde e contas antigas são importantes, mesmo velhas.

O segurado especial (a pessoa física que mora em imóvel rural ou aglomerado urbano e, individualmente ou em regime de economia familiar, tira o sustento da família) também deve cultivar o hábito de guardar papel velho. Para essas pessoas, a prova via documentos ganhar contornos melindrosos, pois o labor do trabalho rural nem sempre é feito com documentos formais ou carteira assinada. O lavrador, o seringueiro, o pescador artesanal e o extrativista, por exemplo, precisam se cercar de documentos (e históricos). A Justiça tem entendido que: “Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar” (Súmula nº 34 da Turma Nacional de Uniformização).

Muitas vezes o INSS e a própria Justiça se convencem dos fatos principalmente a partir da intensidade da amarelidão dos papéis. Documentos novos são importantes, mas, aliados aos antigos, dão muito mais verossimilhança das afirmações.

O banco de dados do INSS poderia dispensar a necessidade de o trabalhador guardar tantas provas. No entanto, o sistema CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais), banco de dados do Governo que armazena as informações necessárias para garantir direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores, só foi criado a partir de 1989 e não é plenamente confiável. Os benefícios mais antigos não tiveram os dados migrados para esse sistema. Além disso, muitas vezes ocorrem falhas e inconsitência de dados no sistema do INSS, o que só pode ser elidido com os papéis velhos.

Quem joga fora documentos aleatoriamente, deve ter em mente que nem sempre o devedor (principalmente quando está numa discussão judicial) é a figura mais adequada a produzir uma prova negativa contra si, que pode resultar na sua condenação. Mesmo quando o réu é da Administração Pública. Não é incomum extravio de dossiês, incêndio em repartições e até mesmo enchentes, como a que ocorreu recentemente na cidade de Palmares-PE. A recuperação de documentos via processo judicial nem sempre é possível, mesmo o juiz fixando multa pela obrigação de apresentá-los. Portanto, é melhor tê-los seguros em qualquer canto da casa. Até a próxima.