Presidente Dilma Rousseff lavou as mãos sobre a legalização da desaposentação

Presidente Dilma Rousseff lavou as mãos sobre a legalização da desaposentação

O filósofo francês Montesquieu bem que tentou, com sua teoria da separação de poderes, fazer com que a composição estatal (Judiciário, Legislativo e Executivo) atuasse de modo independente, separado e harmônico, mas aqui no Brasil esse modelo não vem dando muito certo. A presidente Dilma Rousseff, chefe do Poder Executivo, perdeu uma ótima oportunidade em legalizar a desaposentação aprovada pelo Congresso Nacional, mas preferiu vetá-la na Lei n.º 13.183/2015. Com isso, repetiu o gesto de Pôncio Pilatos e deixou a tarefa para ser resolvida por terceiro, ou melhor, o Poder Judiciário. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, mesmo não tendo mandato político, terão de fazer as vezes do Poder Legislativo quando forem decidir o futuro da troca de aposentadoria no Recurso Extraordinário n.º  662.256/SC.

Embora o projeto de lei vetado fosse falho, já que não se aprofundava em hipóteses importantes da desaposentação, a exemplo de quem a procurava para averbar o tempo do INSS em outro regime próprio de previdência, a medida era um pontapé inicial para disciplinar e amadurecer o assunto no Brasil. A redação original previa que a desaposentação ocorresse depois de o aposentado, em seu novo emprego, contribuir por mais 60 meses ao INSS. Após esse prazo, ele pediria o recálculo da aposentadoria levando em consideração as contribuições que continuou a fazer, permitindo aumentar o benefício.

Em um país no qual milhares de jubilados dependem da desaposentação para ter uma melhora salarial, garantindo uma velhice mais digna, além de darem uma destinação mais justa ao dinheiro pago ao INSS, um tema tão importante como este não possui lei própria. Em compensação, sobram leis federais inúteis, a exemplo da que instituiu o dia nacional do macarrão (Lei n.º 13.050/14), a que declara como tupiniquins os cavalos da raça manga-larga marchador (Lei  n.º 12.975/14) ou a que elegeu a cidade sergipana de Itabaiana como a Capital Nacional do Caminhão (Lei n.º 13.044/14).

A solução da troca de aposentadoria caberá ao STF ou ao Congresso Nacional, caso se mobilize para derrubar o veto presidencial; esta pouco provável.  A ausência de lei termina criando espaço para o ativismo judicial, quando juízes– na brecha de vácuos legais – assumem postura proativa e, muitas vezes, acabam legislando. Não por outra razão que o relator do caso da desaposentação no STF, Luís Roberto Barroso, observou que essa mora legislativa produz situações anômalas como a busca judicial da troca de aposentadoria.

Para justificar o veto, Dilma Rousseff arguiu que a medida iria causar prejuízo à Previdência Social da ordem de R$ 70 bilhões nos próximos 20 anos. Esqueceu o Governo que nas últimas duas décadas, desde a extinção do pecúlio, o INSS ganhou e ganha bilhões, sem praticamente dar nada em troca para quem se aposentou e continua laborando. Se o objetivo do veto era economizar, o mesmo pode não ser alcançado. Caso os argumentos jurídicos prevaleçam em relação aos econômicos, o STF pode decidir favoravelmente o tema,  como já o fez o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e a TNU (Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Federais).

Sem a criação da lei, certamente a palavra final sobre o tema vai ficar a cargo do Supremo, que deverá enfrentar, basicamente, os seguintes pontos: a) a admissibilidade do ato de renúncia à aposentadoria e seus efeitos, notadamente para o fim de se admitir o requerimento de novo benefício, sem devolver nada ao INSS; b) se há quantidade mínima de meses para pedir a troca de aposentadoria; c) qual a metodologia adotada no novo cálculo do fator previdenciário; d) a incidência do prazo decadencial; e) se há violação ao ato jurídico perfeito e ao princípio da isonomia; e f) se haveria ofensa ao princípio da solidariedade e ao princípio contributivo.