Autor: Vicente Campos

“Aumento pra deputado
Tem sempre uma explicação
É preciso estar tranquilo
Pra fazer a legislação
Não podem estar devendo
E as leis vão escrevendo
Pra conduzir a nação

Já, com o salário mínimo
Isso é muito complicado
Botam na ponta do lápis
Estica e puxa um bocado
Depois vai o presidente
Falando pra toda gente
Fazer um comunicado:

Companheiros do Brasil
Estou aqui para falar
Que o seu salário mínimo
Acabei de aumentar
Comprar fiado já pode
Corra, vá comprar o bode
Que o dinheiro vai dar…”

É na sabedoria popular que se encontra explicação para muitas situações da vida, como a disparidade de tratamento no reajuste salarial dos políticos e da população. O cordelista paraibano Vicente Campos Filho, autor do cordel acima transcrito ‘Salário mínimo é do povo, o máximo é do deputado’, retrata bem o que o povo brasileiro é obrigado a ver. O INSS publica essa semana no Diário Oficial o aumento de 6,08% para nove milhões de pessoas que ganham acima do salário mínimo, quando em menos de um mês o país viu o Legislativo majorar os próprios salários em diversos municípios em patamar superior a casa de 60% de aumento para vereadores.

Tanto o aumento dos vereadores como dos aposentados encontram fundamento na Constituição Federal. O art. 29 regula que o subsídio dos vereadores será fixado pelas Câmaras Municipais, sendo respeitado o limite máximo, que pode ser concedido entre 20% até 75% do que ganha um deputado estadual, percentual que varia conforme a quantidade de habitantes da cidade. Já o art. 201 garante que “é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei” para cada aposentado e pensionista do INSS.

Coincidentemente os vereadores sempre aprovam aumentos pelo valor máximo permitido, ao passo que normalmente o Governo concede reajuste do benefício previdenciário abaixo do seu valor real, como foi o caso em 2012 para quem ganha acima do mínimo.

Pelo Brasil afora os vereadores fizeram a festa nos aumentos salariais. Em Recife e em Belo Horizonte, os vereadores aumentaram os seus salários em 62%. No Espírito Santo, ficou em 67%. Na cidade de Campinas-SP, o reajuste chegou a incríveis 126%.

Na Previdência Social, o aumento corresponde a menos de 10% do que os vereadores tiveram. O reajuste de 6,08% anunciado pelo INSS não cobre as despesas da inflação, já que essa ficou na casa dos 6,5% conforme estimativa do IBGE em 2011. Em outras palavras, a preservação do valor real dos benefícios previdenciários terminou virando uma ficção normativa, pois os gastos do orçamento familiar ultrapassam o poder de compra dos benefícios.

A título ilustrativo, o reajuste do preço de produtos para 2012 como o mamão e tomate possui previsão de 8%, mesmo percentual para quem faz curso de ensino superior e de ensino fundamental, conforme dados do IPC (Índice de Preço ao Consumidor).

Apenas quem recebeu um reajuste mais generoso foi quem ganha o piso mínimo, que esse ano teve aumento de 14%, contra os 6,08% anunciado essa semana. Não é por outra razão que existe mobilização de aposentados e representantes de classe para equiparar o aumento do salário mínimo para quem acima desse patamar.

A longo prazo, a concessão de aumentos nos benefícios sem garantir o aumento real acarreta o achatamento do vencimento. É o que justifica o fenômeno da corrosão salarial. Pessoas que recebiam 5 salários mínimos, após o prazo de 10 anos de aposentados, por exemplo, passam a receber 1 salário mínimo. Daí a insatisfação dos aposentados em verem seus salários encolherem, quando ao mesmo tempo tomam conhecimento de vereadores – atuarem em causa própria – concedendo aumentos dez vezes mais altos do que o praticado nos salários do resto da população inativa e seus dependentes.

Que a sagacidade do cordelista popular Vicente  Campos Filhos seja lembrada pelo homem mais simples da sociedade, a quem sua mensagem também é destinada, na hora de eleger seus representantes na política. Até a próxima.